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O fariseu e o publicano




Vinícius Lima Lousada[1]

E contou também esta parábola para alguns que, persuadidos em si mesmos de serem justos, desprezavam os restantes: Dois homens subiram ao templo para orar: um, fariseu; e o outro, publicano. (Mateus 5:13 )[2]


O Evangelho traz lições em suas parábolas que podem ser observadas de forma multifacetada, tudo depende do ponto de vista de seu leitor, de suas motivações, do anseio de fazer da mensagem de Jesus uma bússola para o bem viver. Todavia, considerando a necessidade de educação espiritual de todos nós, devemos buscar neste código sublime o que diga respeito à nossa reforma íntima, ajustando-nos, paulatinamente, à sua proposta.

Pedro de Camargo, notável educador espírita paulista conhecido pelo seus textos de caráter evangélico, assinados sob o pseudônimo de Vinícius, chegou a escrever que “(...) para lobrigarmos o espírito das parábolas, temos que despojá-lo da letra que a envolve.”[3]

Dentre as parábolas do Celeste Amigo, salta aos nossos olhos a do publicano e do fariseu. Nela encontramos a caracterização de duas condutas que, postas lado a lado e em didática comparação, nos ensinam o caminho de escolhas mais adequadas à nossa vida moral e ao aproveitamento da espiritualidade subjacente na vivência religiosa a qual estejamos inseridos.

Allan Kardec nos fala destes dois grupos sociais presentes ao tempo de Jesus. Visitando as páginas de O evangelho segundo o espiritismo encontramos que os publicanos eram os encarregados de cobranças dos impostos e de rendas de toda a natureza, em qualquer parte do Império. Com o tempo, o termo se estendeu aos administradores do erário público e subordinados. O ponto de maior resistência dos judeus ao tempo de Jesus em relação à Roma era a coleta de impostos, mobilizando a criação de partidos revoltosos e gerando um verdadeiro ódio pelos publicanos.

Quanto ao grupo religioso dos fariseus, Allan Kardec registra que eles eram partidários das controvérsias religiosas, cumpriam as práticas de culto exterior e das cerimônias, sempre zelosos pelo proselitismo, inimigos declarados de inovadores e,


“(...) sob as aparências de meticulosa devoção, ocultavam costumes dissolutos, muito orgulho e, acima de tudo, excessiva ânsia de dominação. Para eles, a religião era mais um meio de chegarem a seus fins, do que objeto de fé sincera. Da virtude só guardavam a ostentação e as exterioridades, embora exercessem, com isso, grande influência sobre o povo, a cujos olhos passavam por santas criaturas. (...)”


Temos aqui, uma síntese da descrição kardequiana destes dois grupos, ambos ricos e postos em evidência à época, dadas as circunstâncias de seus afazeres. Um grupo aparece ocupado com as coisas de César, o outro, aparentemente voltado às coisas de Deus. Um grupo era odiado pela adesão ao poder constituído à força, através da dominação romana e pela subordinação do povo de Israel, contrariando aparentemente as profecias. O grupo dos fariseus era conectado ao culto exterior e aos jogos de aparência, em simulações de virtude e pureza, nada obstante, a sua ocupação principal os chamasse aos aspectos transcendentes da vida.

Jesus compôs uma parábola com personagens advindas dos dois grupos. Ela aparece no evangelho de Lucas (18:9-14). A narrativa evangélica refere: “E contou também esta parábola para alguns que, persuadidos em si mesmos de serem justos, desprezavam os restantes: (...)”[4]

Observa-se, na percepção do evangelista, o público-alvo daquela lição do Mestre: aqueles que, se considerando virtuosos, imaginavam-se em condição superior em relação aos demais. Apesar de sensibilizados pelo Evangelho, algumas criaturas eram seduzidas por alguma cota de vaidade.

Para acordá-los do transe de se crerem “salvos” ou “iluminados”, Jesus traz as figuras do fariseu e do publicano em um momento de exercício de espiritualidade: a prece.

A prece do fariseu, mobilizada por uma perspectiva egóica, revela uma lógica de quem buscava afirmação pela comparação, de forma que em sua conversação com Deus, procurava elevar-se em um pódio de virtude, em detrimento das deficiências morais que identificava nos outros.

Além disso, em conversa íntima com Deus, o fariseu valorizava seu hábito religioso semanal de Jejum e do pagamento do dízimo, considerando dar a Deus contrapartida a todas as suas aquisições. Ou seja, o fariseu reconhecia que cumpria seus deveres religiosos formais, diferente daqueles que considerava “exploradores, injustos e adúlteros”, tanto quanto o publicano. Aliás, levemos em conta que o jejum era um costume religioso judaico, onde o indivíduo não se alimentava voluntariamente por um tempo, que demandava alguma intenção de purificação íntima e discrição.

Já, a prece do publicano, personagem detestado e diminuído aos olhos dos fariseus, era focada em um pedido ao Senhor da Vida: compaixão pelas suas limitações. E, Jesus, encerra a parábola dizendo assim: “Digo-vos: Este desceu para casa justificado. Porque todo aquele que exalta a si mesmo será diminuído, e aquele que diminui a si mesmo será exaltado.” Aqui Jesus está a ensinar que o publicano voltou ao seu lar carregando consigo o perdão de Deus no coração, especialmente, pela sua humildade e reconhecimento dos erros.

O fariseu, no entanto, habituado a uma espiritualidade de superfície e de conduta jactanciosa, manteve-se no mesmo status depois da prece, ou seja, orgulhoso e desatento à internalização da Lei no próprio coração.

E nós outros, em nossa jornada de reeducação espiritual à luz do Evangelho, como temos agido? Estamos, em nossa conduta, prática religiosa, no campo psicológico e subjetivo, dando mais vazão ao fariseu ou ao publicano?

Vamos pensar nisso? Ainda há tempo.


Referências: [1] Vice-presidente de Unificação da Fergs. [2] O Novo Testamento. trad. Haroldo Dutra Dias. FEB. Edição do Kindle. [3] VINÍCIUS. Em torno do mestre. 9. ed. Brasília: FEB, 2015, p.284. [4] Haroldo Dutra Dias. O Novo Testamento (p. 476). FEB. Edição do Kindle.

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