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O Julius cap. 8



Ao longo de muitas reuniões mediúnicas, Isabel foi tendo notícias e acompanhando, em desdobramento, o périplo tormentoso de Luigi e os fatos que cercavam a volta de Julius ao plano terreno. Muitas vezes, por meio da psicofonia, Luigi foi trazido para drenar as impressões da morte violenta que tivera. Sintetizaremos, a seguir, alguns aspectos desse período doloroso. Também o tratamento de Marcela, a mãe do Julius, foi realizado muitas vezes, no grupo mediúnico, durante o sono provocado onde ela era trazida e concitada a aceitar a maternidade, que evoluiu para uma gravidez de risco, com repouso permanente, de modo a facilitar os cuidados e a vigilância de Ivone.


....


O desespero era a tônica dos sentimentos daquele Espírito que perambulava pelas vielas estreitas e sujas do morro. Uivando e soltando imprecações, Luigi investia contra os homens armado, que transitavam exibindo as armas de grosso calibre, e assim ficava até perder os sentidos. O cansaço, misturado ao ódio, retirava-lhe as forças e imprimia a sua aparência um aspecto aterrador. A cada assomo de fúria jorrava, em borbotões, um líquido viscoso e escuro dos orifícios dos ferimentos espalhados ao longo do corpo. Os olhos, boca, nariz eram pústulas horripilantes. Ao quadro dantesco somava-se uma procissão de entidades tão sombrias e infelizes quanto ele. Era uma cortejo de horrores onde se engalfinhavam uns com os outros quais feras disputando despojos comuns.

Luigi ao ser expulso do corpo, pela desencarnação, sentiu primeiramente que estava livre, sem dar-se conta do que verdadeiramente ocorrera, saiu em desabalada carreira, esgueirando-se pelos corredores, passando pelos policiais que o vigiavam no hospital, e que pareciam não vê-lo, o que o fez julgar-se em fuga. De imediato, o pensamento o levou de retorno ao morro, buscando os lugares onde vivera, os seus esconderijos, seus homens. O choque experimentado ao verificar a presença do novo dono do morro, que assumira o controle de tudo o que constituíra o seu império, deflagrou uma avalanche de ódio que parecia deixá-lo em combustão permanente. Sentia dores extremas e um fogo a consumir-lhe incessantemente. Era um sofrimento superlativo, sem tréguas, sem refrigério.

Passaram-se o equivalente a seis longos meses no tempo terreno, que pareciam uma eternidade para aquele Espírito naufragado nos tormentos que ele mesmo forjara para si. A cada lugar por onde ele passava e que se constituía em lugar de desova dos corpos das vítimas do tráfico, ou nos recantos sombrios onde torturavam e matavam os inimigos e os infelizes devedores, erguiam-se ameaçadoras e monstruosas umas; odientas e sombrias, outras; todas sofridas e profundamente infelizes, as vítimas que se somavam ao séquito de perseguidores.

A associação das mentes criminosas nesses redutos se estabelece com a mesma intensidade que as algemas do vício promovem no mundo físico. Assim, aqueles seres peregrinavam invisíveis aos olhos humanos, mas participando ativamente das ações criminosas, sentindo-se vivos, ocultando-se por detrás das trincheiras nos tiroteios durante as operações e instigando todo o tipo de pensamentos perversos naqueles que com eles sintonizavam.

Também, esteve por alguns dias refestelando-se em uma mansão de luxo em uma das ilhas particulares que margeiam a bela baía, onde fora atrás do nababo para quem o maior percentual do dinheiro sujo era encaminhado. Na verdade os traficantes que dominam os morros fazem o que eles chamam de “trabalho sujo”. Os verdadeiros donos são, como aquele homem, figuras importantes da sociedade e que transitam longe do alcance das leis humanas, mas jamais ao abrigo da impunidade pelos critérios da lei divina. Luigi criou algumas confusões na sua hospedagem no palacete da ilha. A filha mais jovem do sofisticado meliante tinha diagnóstico de doença mental grave. Na verdade era médium e Percebeu a presença assustadora de Luigi e teve vários surtos, em razão de que Isabel foi conduzida pelos benfeitores do grupo mediúnico a prestar socorro. A esposa do milionário criminoso era uma mulher de nobreza inquestionável, que não sabia das ligações ilegais do marido e também era simpatizante do Espiritismo. Já havia detectado, há algum tempo a condição paranormal da filha, sem conseguir no entanto que a enferma da alma aquiescesse em educar a sua faculdade. Nem sequer permitia-lhe tocar no assunto. Mas ela orava sempre em meio às crises e suas preces eram atendidas.

Com o auxílio das equipes de ambos os planos da vida, Luigi foi afastado daquele lar, ficando os culpados entregues ao julgamento da própria consciência e aos imperativos da lei por eles derrogada.

A polícia subira pela manhã. Após a festa regada a muito álcool, sexo, drogas e todos os abusos que imperavam nesses eventos, a operação foi deflagrada. Muitos dos traficantes ainda dormiam, intoxicados pelos miasmas da orgia. Os helicópteros sobrevoavam a favela metralhando pontos que diziam ser as tocas dos criminosos, mas que na verdade eram alvos sobre os quais nenhuma certeza havia de estarem realmente sob o poder do tráfico. Como sempre muitas vidas era ceifadas, nem todas ligadas ao crime.

Julius e a malta de perseguidores que o supliciava, adentraram uma casa que parecia abandonada. Não conseguiam atravessar as paredes, pois o nível de inferioridade e materialidade de seus corpos perispirituais era tão densa que a matéria lhes opunha impedimento, sim. A porta semiaberta foi um achado. Ao ingressarem no cubículo quase as escuras, ele viu a um canto o corpo do menino. Devia ter, no máximo, uns seis anos. Ele presenciara muitas dessas cenas durante a vida no crime, mas a imagem agora trouxe-lhe a mente algo que parecia ter se apagado naqueles meses de loucura, desde que fugira do hospital – seu filho! Uma onda de pavor invadiu-lhe. Será? Não, seu filho não nascera, ainda? Ou já? Perdera a noção do tempo. Não... Sim... Mas podia ser seu filho. Ajoelhou-se junto ao corpinho inerte e com um gesto que nunca tivera para com quer que fosse tentou segurar aquela criança, mas sentia que suas mãos passavam através do menino, como se estivessem se desfazendo. Tentou novamente e o fenômeno se repetiu. Não sabia o quê fazer. Começou a chorar. Há quanto tempo não sabia o que era chorar, sentiu que as lágrimas rolavam pela sua face e caiam no peito da criança estendida ali no chão. De repente, algo inusitado aconteceu: o menino ergueu-se e saiu de dentro do próprio corpo que continua ali deitado, imóvel. Era como se fossem dois. Um imóvel, morto – o outro, vivo e que falava com Luigi, perguntando:

- Quem é o senhor? Como está machucado! O senhor quer sair daqui?

Luigi não conseguia responder. Estava perplexo, não entendia o que se passava. O menino segurou da sua mão e continuou dizendo. Alguém vem nos buscar, eu estou vendo.

- Não, não podemos sair, vão nos matar! Eu quero proteger você. Eu vou te esconder.

- Minha mãe antes de morrer me disse que toda a vez que eu estivesse em perigo eu chamasse por Jesus. Vamos chamar por Jesus?

A inflexão da voz daquele Espírito provocou no réprobo uma pequena fenda por onde a luz de uma nova trajetória poderia se infiltrar. A lembrança do filho e a presença da veneranda entidade que viera resgatar a criança morta no confronto foram agindo nas tessituras profundas daquele ser, calcinado pelos erros cometidos, mas de quem a Providência não retiraria, jamais, ao o status da filiação divina.

A figura luminosa de Madre Teresa de Calcutá não poderia ser visualizada pelo fascínora, mas o envolvimento que ela propiciou foi fazendo-o, aos poucos, entrar em estado de torpor, enquanto os enfermeiros da nobre falange acercavam-se para recolher mais uma das ovelhas para o redil.

O resgate do italiano foi uma das cenas mais intrigantes para a compreensão de Isabel. Ela presenciara ao longo dos meses, as atrocidades que aquele espírito cometera em vida, porque ele reeditava mentalmente e muitas eram percebidas por ela. Mas, também, aprendera a orar por ele e pelas vidas que ele ceifara, mas o seu coração tinha reservas, que ela procurava vencer.

Quando a caravana espiritual se afastava em direção ao Hospital Maria de Nazaré as dúvidas de Isabel, que permanecia em desdobramento, retornando à lucidez após a passividade, foram se pronunciando. Por que um ser tão perverso, que causou tanto dano à humanidade merecia aquele empenho todo de uma benfeitora como Madre Teresa de Calcutá.

Foi quando sentiu a presença amiga de Dona Yvonne a dizer-lhe:

- Os sãos não necessitam de médico, mas, sim, os que estão doentes; eu não vim chamar os justos, mas, sim, os pecadores ao arrependimento[1]

Doravante, esta lição foi o ferro em brasa na alma da médium Isabel, que foi aprendendo a dobrar o espírito inquisidor, dia a dia, na oportunidade que recebeu de auxiliar modestamente no soerguimento daquela alma, lembrando sempre que Yvonne também lhe assegurara que ela mesma, Isabel, ainda não se distanciara suficientemente da vala dos crimes praticados contra a Lei Divina e que somente a caridade assegura a redenção de todos.

[1] Marcos 2:17

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