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Um Natal diferente - cap. 1


Aqueles, eram tempos difíceis.

A crise financeira, o desemprego, a alta dos preços faziam o terror dos menos favorecidos, rondando os lares dos operários e infligindo duras privações as suas famílias.

Juvenal era um dos tantos que, naquele período antes do Natal, sacrificara-se em longas jornadas de trabalho extraordinário, para tentar melhorar a ceia e comprar um presentinho que sabia, iria fazer a alegria de cada um dos seus quatro filhos.

Pensara ter conseguido, no entanto agora, já quase duas horas da manhã, sentado na modesta sala de sua residência, olhava o minúsculo arranjo natalino, composto pela esposa, e sentia uma enorme angústia e um grande vazio dentro de si.

Fechou os olhos e imaginou a sua casa bem diferente de então: salões amplos iluminados, mesas com variadas iguarias, garçons vestidos a rigor e convidados em traje de gala. Vislumbrava Marisa, sua mulher, em elegante vestido a receber os convivas, e seus filhos também compostos principescamente.

Assim devia ser um verdadeiro Natal, o Natal que todos mereciam e que faria alguém realmente feliz. Um Natal, pensou, digno da grandeza que a data expressava.

Juvenal chorou. Chorou olhando a sua realidade, tão diferente. Sobre a mesa, no pequeno cômodo, onde ficava a cozinha, sala de jantar e estar ainda estavam as sobras da frugal refeição, preparada com esmero e carinho por Marisa, mas simples, sem nenhum requinte.

Seus filhos dormiam abraçados aos presentes recebidos, modestos, comprados de um feirante de calçada.

E Juvenal, em suas divagações, começou a sentir-se profundamente infeliz. Não era a primeira vez que entrava em tristeza profunda, nas festividades do final do ano.

Seus amigos e colegas de trabalho já sabiam, pois ele não fazia segredo para ninguém, de que não gostava da época de Natal e Ano Novo.

Nesse ínterim, batem à porta e a batida arranca Juvenal de suas cogitações.

- Tão tarde, pensa ele. Deve ser algum vizinho com dificuldades e, irritado, dirige-se à porta, pensando:

- Esta gente não dá sossego, nem na Noite de Natal.

Ao abrir a porta se depara com um vulto pequeno a fitá-lo com dois grandes olhos, que mais parecem duas estrelas na solidão da noite.

Era o “Moedinha”. O menino ganhara esse apelido, porque sempre interpelava as pessoas na rua para pedir: “ Dá uma moedinha tio”. Moedinha era órfão, pai e mãe haviam morrido em um desabamento que soterrara o barraco onde viviam. Ele fora salvo, milagrosamente, após ter ficado quase doze horas sob os escombros. Agora vivia da piedade alheia.

O menino olhou para Juvenal e disse que naquela noite alguns policiais o haviam recolhido, e para dar-lhe um susto, segundo ele, soltaram-no muito longe dali.

- Eles disseram que eu roubei nas lojas dali debaixo tio, mas sou inocente. Não pego nada não. Só o que me dão, choramingava o Moedinha, muito assustado.

O pequeno órfão mostrava-se cansado, muito cansado, faminto e com medo. Implorava que Juvenal o ajudasse.

O dono da casa sentiu pena do moleque, e mais uma vez pensou: se tivesse dinheiro, o Moedinha não andaria assim errante por aí. Ele o colocaria numa escola, pagaria seus estudos e ele sairia de lá preparado para a vida.

Mas naquela miséria... o que poderia fazer? Mal tinha para si e para os seus. O que poderia dar ao Moedinha, certamente faltaria aos seus filhos amanhã.

E pensando assim, disse ao garoto banhado em lágrimas, encostado a sua porta, que não podia ajudá-lo. Ainda juntou alguns restos de comida, embrulhou-os e entregou ao menino que implorava para entrar, pois estava sendo perseguido por homens pagos pelos comerciantes que queriam se livrar daqueles meninos vadios de rua.

Ouvindo isso Juvenal ficou mais amedrontado que o menino. Confusão com grupos de milícias de extermínio, nem pensar. Aconselhou o Moedinha a buscar abrigo nos matos próximos à vila e fechou a porta rapidamente voltando a pensar: - Como o Natal seria diferente, como o mundo seria melhor e como ele seria mais feliz se tivesse mais.

Não sou feliz! A felicidade não foi feita para mim! — Exclama geralmente o homem em todas as posições sociais. Isso, meus caros filhos, prova, melhor do que todos os raciocínios possíveis, a verdade desta máxima do Eclesiastes: “A felicidade não é deste mundo. ” Com efeito, nem a riqueza, nem o poder, nem mesmo a florida juventude são condições essenciais à felicidade. Digo mais: nem mesmo reunidas essas três condições tão desejadas, porquanto incessantemente se ouvem, no seio das classes mais privilegiadas, pessoas de todas as idades se queixarem amargamente da situação em que se encontram. O Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap V. item 20.

Naquele dia 25 de dezembro, Vila Esperança amanheceu em polvorosa. Acharam o Moedinha morto. Estava em meio aos toneis de lixo. Trazia no peito duas rosas rubras de sangue. Todos comentavam que o tinham visto vaguear, batendo de porta em porta a pedir abrigo, na noite anterior. A caridade alheia, ainda pelas mãos de alguém, diziam, ofertou-lhe comida. Mas da perseguição cruel, ninguém o protegeu.

Leia os próximos capítulos.

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