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Obrigada, doutor Jimmy!


Naquela manhã, acordei com uma sensação estranha.

As dores que me afligiam, sem tréguas haviam diminuído, sensivelmente. Na verdade, estava apenas com uma sensação de dor indefinida, sem poder precisar a localização exata.

Intuitivamente, imaginei que não deveria sequer fixar o pensamento nas dores dos últimos dias, uma vez que elas tinham aliviado eu não deveria me comprazer em recordá-las.

Tão logo pensei nisso e a sensação dolorida passou, completamente, o que me animou a reerguer-me do leito e buscar os chinelos para me por de pé.

Nesse instante, percebi a disposição diferente dos móveis no aposento. Era um quarto ensolarado, ou melhor, iluminado, por uma luz diferente, que fluía, ao mesmo tempo, suave e intensa de uma grande janela em formato de arco gótico, abrindo-se para um recanto, que sugeria um caminho entre árvores altas e muito verdes.

Embora rebuscasse, na minha mente, não encontrava na memória o registro daquele lugar. Não era a minha casa, nem o hospital onde estivera recolhido nos últimos tempos de enfermidade ou qualquer lugar conhecido.

O primeiro impulso foi o de me aproximar da janela e olhar o parque, a fim de identificar o lugar que me abrigava. Ao mover-me, senti a leveza do meu corpo, como se apenas o pensamento o impulsionasse, sem qualquer auxílio dos pés e músculos. Reparei que a roupa usada era um conjunto novo e confortável que eu desconhecia.

Surpreendido com tantas diferenças e sensações inusitadas, também estranhei a ausência de Isaurinha, meu anjo bom, a companheira de tantos e tantos anos. No curso da doença ela devotara-se a mim de forma incansável. Nunca, em todos os longos meses de enfermidade eu fechara ou abrira os meus olhos sem que divisasse o seu vulto à beira do meu leito, atenta, com o sorriso encorajador, ainda que repassado de angústia pela dor, pelo cansaço e dificuldades dos cuidados que eu exigia, dado à inclemência do tratamento.

Onde estaria ela? Imaginei que o alívio que eu experimentara depois da última e aguda crise sofrida, autorizara-a ao merecido repouso de algumas horas.

Estava nessas conjecturas, quando ouvi vozes que se aproximavam, talvez por um corredor... Voltei-me, apoiando-me no espaldar da cadeira, cujo designer era primoroso e tive uma visão que me desconcertou.

Uma menina que aparentando uns doze anos de idade, com uma linda flor assemelhando-se a uma rosa, porém de beleza maior, contemplava-me sorrindo.

- Doutor Jimmy, seja bem-vindo!

- Estou sonhando, pensei, porque não consegui articular as palavras ante à surpresa.

Ela respondeu como se tivesse ouvido o meu pensamento:

- Não doutor, essa é uma realidade.

Respirei fundo e senti a cabeça rodar.

- Mas você é...

- Eu sou Alícia, lembra-se?

- Mas você morreu Alícia, eu recordo. Você foi uma perda que nunca superei, um fracasso na minha carreira, que nunca esqueci. Nunca me conformei com o seu caso. Nele a minha equipe não teve nenhum sucesso. Não conseguimos diagnosticar o mal que a afligia, não conseguimos tratá-la. Vimos sua vida escapar das nossas mãos dia a dia, hora a hora, diante dos nossos olhos. Estou longe de ser um médico que se julga onipotente, mas a sua história deixou-me com um gosto amargo de impotência.

- Como é que você está aqui viva, agora? Não posso ter errado, também, ao atestar sua morte!

A bela menina meneou a cabeça, sacudindo os cabelos longos e cacheados e respondeu:

- Eu estou tão viva quanto o senhor, doutor! Nós estamos vivos. Esta é a vida.

O doutor Jimmy foi sentindo faltar-lhe as forças, enquanto Alícia, sorrindo, amparava-o, segurando-lhe a mão. A flor trazida por ela, dispendia uma luminosidade perfumada que envolvia o ambiente.

- Doutor, o senhor foi o melhor dos médicos!

- Não...

Ela levou o mimoso dedinho indicador à boca, convidando-o a silenciar.

- Minha vida na Terra era breve. Eu nasci para complementar um tempo que subtraí à minha existência em outra época. Não esqueci as suas conversas comigo, quando da visita médica. Menina órfã, tive no senhor o pai amoroso e bom que não conheci. Pensa que eu não notava, que o senhor segurava as lágrimas, quando lia o meu prontuário e constatava que todos os esforços não assinalavam melhora, mas que eu definhava a cada dia?

- Ah Doutor Jimmy, nunca alguém chorara por mim. No orfanato recebi cuidados, mas carinho, não. Éramos tantas crianças, que as bondosas criaturas, que tomavam conta de nós não tinham tempo para nos estenderem afetos. O senhor deu-me a paz e a alegria, que eu precisava para voltar.

O Doutor Jimmy emudecera. Sempre sofrera muito com as dores dos seus pequenos pacientes. Era um conselheiro amoroso e dedicado dos pais desesperados, das crianças que tratava diuturnamente. Mas a morte era a sua rival. Lutava com ela a todo o instante e por vezes achava a vida cruel, sem sentido. Como as crianças podiam sofrer tanto? Devotava-se em aliviar os seus sofrimentos já que Deus, (assim pensava) parecia não se comover com isso.

- Deus cuida para que cumpramos os nossos deveres e ganhemos a aprovação na escola do mundo Doutor, considerou Alícia, acompanhando os meus pensamentos. O senhor é dez!

- Desta vez, não vou disfarçar as lágrimas, Alícia!

A pequena aproximou-se e segurou as mãos do amigo entre as suas, deixando irradiar da região do centro de forças cardíaco um feixe de luz branca, safirina, que o envolveu, restabelecendo a serenidade e a paz do médico do mundo que soube, também, aliviar as almas sofridas nas suas trajetórias redentoras.

- Obrigada, doutor Jimmy!

MEB

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