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“Sia” Tonha


OS TEXTOS AQUI PUBLICADOS TEM SEUS DIREITOS AUTORAIS

INTEGRALMENTE CEDIDOS À FEDERAÇÃO ESPÍRITA DO RIO GRANDE DO SUL.

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Ela era miudinha, devia ter pouco mais de um metro e meio de altura. A tez encardida que não se sabia se era tostada do sol de muitos janeiros ou se era pelo pó que se aninhara, ao longo do tempo, nas muitas rugas que pareciam formar um labirinto a serpentear na sua face.

O queixo proeminente e os olhinhos vivos como se fossem pitangas maduras, banhadas pelo orvalho da manhã. “Sia” Tonha como diziam os muitos entes que visitavam o ranchinho encravado no arvoredo, em busca das suas benzeduras e dos chás, que ela distribuía aos viandantes para aliviar dores, fazendo sumir os cobreiros, desmanchando “nó das tripas”, curando quebrantos e até, diziam alguns, “tirando o diabo do corpo” de muita gente. O povo dizia: leva pra “Sia” Tonha que não atravessa o segundo dia!

Antônia era um coração banhado pelos melhores sentimentos. Sempre tinha uma palavra de consolo, um carinho, um sorriso, um alento para quem quer que fosse ao seu encontro.

Vira muitas revoluções ensanguentarem o pago querido onde nascera. Uma delas levou o seu pai, deixando a orfandade e a viuvez como rescaldo de uma luta que nem ela, nem a mãe entendiam muito bem do que se tratava.

Crescera, tornara-se moça, e um dia quando catava gravetos nas proximidades do rancho foi surpreendida por um soldado desertor que a violentou, deixando-a ferida e quase morta. Quando a mãe dando pela sua ausência prolongada saiu a procurá-la encontrou-a desacordada, sangrando, estirada no mato.

Antônia esteve dias entre a vida e a morte. Num desses delírios febris ela ouviu uma voz suave que lhe dizia:

- Antônia, minha filha, você vai se levantar dessa cama e caminhar no rumo dos sofredores. Tua mãos serão portadoras de alívio para muitos daqueles que infelicitaste no passado, assim como para os estranhos, os amigos, para todos os que encontrares na tua estrada. Ela via aquela figura iluminada ao lado da sua cama feita de tábuas, forrada com o colchão de palhas, e quase que de imediato, sentiu que novas forças a animavam. Foi erguendo-se ante os olhos assustados da sua mãe e como por encanto - contava o povo – a febre e as dores foram cedendo.

No dia seguinte Antônia estava bem e com o coração aliviado, como se um anjo houvesse tocado a sua alma.

Assim foi a sua vida dali em diante. Aprendeu com a mãe as palavras das benzeduras, os gestos que tinha de fazer, os instrumentos usados para cada caso, que a mãe lhe confidenciara serem apenas para impressionar os que buscavam ajuda, mas o que importava mesmo eram a força do pensamento e a vontade de ajudar.

Assim, “Sia” Tonha recebia, no paupérrimo rancho, os sofredores do mundo, os estropiados, os andarilhos, os bandidos fugitivos da lei. Nunca mais fora molestada. A bondade daquela alma apaziguava até as feras, diziam os que a conheciam.

Vivia da bondade alheia e dos cuidados dos donos daquela terra. Dona Mariana, a estancieira, seguidamente vinha buscar as rezas de “Sia” Tonha para as muitas dores morais que a sobrecarregavam. O patrão, o coronel Hilário, diziam que era louco. Os peões às vezes iam buscá-lo campo a fora, onde se punha a fuçar na terra com a boca, como se fosse um animal raivoso.

Quando isso acontecia os homens o laçavam e o levavam, amarrado, para “Sia” Tonha benzê-lo. De lá ele saía adormecido e quando acordava, em casa, não sabia a que atribuir os ferimentos que trazia.

Sia Tonha sabia que o homem era perseguido por “almas penadas” que o odiavam. Muitas vezes ela tivera conversas com esses Espíritos, acendia velas para eles, fazia novenas, mas elas davam uma trégua e voltavam a cobrar do coronel os males que ele lhes tinha feito.

“Sia” Tonha cuidava também dos que passavam lá na estrada e que não chegavam ao seu rancho. Naquela tapera à beira do corredor ela sempre deixava a fogueira armada para que alguém pudesse se abrigar do frio das invernias, ou apenas se alumiar durante a noite. Todos os dias, revisava aquele pouso, limpava os restos de comida e outros resíduos ali deixados pelos viandantes, trocava a água, refazia a fogueira e assim deixava o abrigo pronto para acolher os cansados jornadeiros que por lá cruzavam.

Sempre dizia uma oração naquele lugar, que muitos falavam ser assombrado – e era – “ Sia” Tonha sabia da história da tapera.

Ali, uma moça pusera fim à vida, depois de ter sido violentada, como ela o fora, pelos soldados em uma das guerras. Por isso ela orava pedindo paz àquela alma sofrida.

... continua nos próximos capítulos

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