Pestalozzi e a educação para a virtude
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Vinícius Lima Lousada[1]
Os novos horizontes que abre o Espiritismo fazem ver as coisas de modo bem diverso; sendo o seu objetivo o progresso moral da Humanidade, forçosamente deverá projetar luz sobre a grave questão da educação moral, fonte primeira da moralização das massas. Um dia compreenderão que este ramo da educação tem seus princípios, suas regras, como a educação intelectual, numa palavra, que é uma verdadeira ciência; (...). - Allan Kardec[2]
Considerando a importância de Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), para o campo da Educação, sua influência no pensamento pedagógico do Professor Rivail e, por consequência, na organização didática e no valor da educação moral no Espiritismo, parece-nos oportuno tecermos algumas considerações sobre o educador suíço e suas ideias pedagógicas.
Pestalozzi dedicou sua vida aos labores da educação das pessoas simples, iniciando sua trajetória com crianças em profunda vulnerabilidade. Suas concepções pedagógicas, elaboradas a partir de suas várias experiências como educador, foram refletidas em sua laboriosa produção intelectual, constituída ao longo de sua vida.
Na Carta de Stanz (1799), que outrora tivemos ensejo de nos debruçarmos para análise[3], o educador relatou a sua experiência a serviço da República Helvética (atual Suíça) com crianças pobres e órfãs. Essa experiência, embora tenha durado apenas cinco meses, ao que nos parece, permitiu-lhe esboçar a sua perspectiva de educação moral. Lembremo-nos que o ideário pedagógico de Pestalozzi sofreu forte influência de movimentos como o Iluminismo e esteve assentado em sua visão da natureza humana, exposta na denominada teoria dos três estados do ser humano: natureza, social e moral. No estado de natureza, o ser humano viveria sob o império do instinto, buscando a satisfação inconsequente dos sentidos. Como diz Kardec:
O estado de natureza é a infância da Humanidade e o ponto de partida do seu desenvolvimento intelectual e moral. Sendo o homem perfectível e trazendo em si o gérmen do seu aperfeiçoamento, não foi destinado a viver perpetuamente no estado de natureza, como não foi destinado a viver eternamente na infância. O estado de natureza é transitório e o homem dele sai em razão do progresso da civilização.[4]
Na medida em que vamos compreendendo a Divina Lei, nos aprimoramos. E, assim, entramos no estado social que, segundo Pestalozzi, imporia restrições ao estado de natureza através do contrato social, visando evitar que retornássemos à barbárie, ainda que neste novo estágio a humanidade viveria as disputas dos indivíduos movidos pelos seus interesses instintivos. Com o tempo, em nosso processo civilizatório, teríamos alcançado o estado moral. Neste, o indivíduo se elevaria para além de seus apetites animalizados e, desse modo, se tornado capaz de se conduzir pela conjugação da moral, da justiça e da verdade através da virtude. No pensamento pestalozziano, o homem se aperfeiçoaria ao fazer do dever a lei do seu modo de agir (Pestalozzi, 2004)[5], alcançando uma moral individual e autônoma, alicerçada na razão. Percebe-se que, para Pestalozzi, a natureza humana é vocacionada à virtude, algo muito coerente com o projeto da modernidade e o anseio iluminista de emancipação dos indivíduos.
A principal ideia pedagógica que emergirá da descrição de sua prática em Stanz é o que poderíamos denominar de pedagogia das virtudes, um projeto de formação humana para o bem, justiça e verdade. Esta pedagogia visaria a autonomia moral dos educandos, lembremos que, no caso em tela, de classe popular. Enfim, a proposta de Pestalozzi objetivava a formação do cidadão virtuoso, necessário ao Estado-Nação, por meio de uma educação coerente com as necessidades do contexto histórico.
Focando na Carta a Stanz, podemos, a respeito do método de Pestalozzi, dizer o seguinte: ele era inspirado na dinâmica familiar em conformidade, naturalmente, com a cultura burguesa da época. Também, ele almejava que a educação popular secular levasse em conta o afeto como elemento que nutre o vínculo entre educador e educando, embasando o processo educativo e fomentando a autonomia moral.
Igualmente, há um movimento de zelar pela criança em sua integralidade e, nesse ínterim, a afetividade tem um papel primordial. O processo se iniciava com o cuidado integral e o cultivo de nobres sentimentos através da satisfação das necessidades diárias e de uma ação educativa eivada de amorosidade. Logo, a virtude, para se tornar um hábito, deveria ser incorporada paulatinamente à subjetividade infantil através da condução do mestre e de sua convivência com os educandos.
A pedagogia das virtudes, de Pestalozzi, é uma pedagogia do diálogo e do bom senso. Nesse sentido, a educação moral não era livresca (alvo de crítica do Professor Rivail), nem religiosa ou baseada na memorização de máximas. Ela era desenvolvida por meio do diálogo entre educador e educandos e da problematização de situações concretas do cotidiano e da convivência. O objetivo, conforme podemos apreender, era de refinar o juízo ético e o bom senso, ou seja, o poder de bem julgar e distinguir o verdadeiro do falso.
Ao ler Rousseau, a perspectiva de Pestalozzi não poderia fugir de certa reverência ao desenvolvimento natural do ser, enfatizando a observação e o respeito do desenvolvimento da criança. Nesse sentido, a intervenção educativa deveria estar em harmonia com o processo de desabrochar das potencialidades infantis, lapidando o que jazia subjacente na natureza humana.
É possível observar, lendo Pestalozzi, que ele procurava articular a instrução escolar, a educação moral e o trabalho, promovendo a humanização e a emancipação pela educação. Em processos educativos comunitários, as crianças mais experientes compartilhavam conhecimentos e estratégias com os demais companheiros do lar-escola, alcançando-se a simplificação e popularização do ensino.
Enfim, aos nossos olhos, Pestalozzi se revela um clássico da educação moderna que, também, propugna a racionalidade como recurso de emancipação humana. Sua experiência em Stanz materializa um projeto de educação pública para o povo de sua época e contexto, orientada para a formação do cidadão autônomo, racional e virtuoso, alinhado aos valores republicanos e iluministas, e baseado na invenção histórica da cidadania. E, em termos de educação moral, ou pedagogia das virtudes, a proposta de Pestalozzi se revela como a arte de desenvolver o educando em suas potencialidades.
Diante do exposto, não é de se estranhar que o próprio Rivail defendera a relevância da educação moral em seus escritos como educador, tanto quanto, a tese venha a aparecer em suas considerações, em O Livro dos Espíritos, ao afirmar que a educação moral “(...) consiste na arte de formar os caracteres, àquela que cria hábitos, uma vez que a educação é o conjunto dos hábitos adquiridos.”[6] De nossa parte, possamos pensar a respeito desta perspectiva de educação moral, ainda que vivamos tempos tão complexos e demasiado desafiadores.
[1] Vice-Presidente Doutrinário da Fergs.
[2] KARDEC, Allan. Primeiras lições de moral da infância. In: Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos: Ano sétimo – 1864. Evandro Noleto Bezerra. trad. poesias traduzidas por Inaldo Lacerda Lima. 4.ed. 1. imp. – Brasília: FEB, 2019, p. 63-64.
[3] SANTOS, Simone Valdete dos; LOUSADA, Vinícius Lima. Pestalozzi e a educação como formação humana para a virtude: reflexões sobre a Carta de Stanz. Perspectiva, 43(4), 1–19. https://doi.org/10.5007/2175-795X.2025.e98381. Acessível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/98381?fbclid=IwY2xjawNvn55leHRuA2FlbQIxMQBicmlkETFQVlJkOHNZYVFQajh4NExrAR6A5XQbOui2jlvIBZ35wkuOnpnmCBzpxVs2iY-_HJkNcVkGrbIL9pP4WZHDnw_aem_Ky6Fu5vYhm8mZKLXLpuIzQ. Acessado em: 28/10/25.
[4] Kardec, Allan. O livro dos espíritos. FEB Publisher. Edição do Kindle, questão 776.
[5] PESTALOZZI, Johann Enrich. Mis Investigaciones. Trad. José María Quintana Cabanas. Madrid: Machado Livros, S.A., 2004.
[6] KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. FEB Publisher. Edição do Kindle, questão 685-a.













































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