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Sob as bênçãos de Deus - Cap. 12 - Parte 2





Será útil orar pelos mortos e pelos Espíritos sofredores? Nesse caso, como as nossas preces podem proporcionar-lhes alívio e abreviar seus sofrimentos? Têm o poder de abrandar a Justiça de Deus? “A prece não pode ter por efeito mudar os desígnios de Deus, mas a alma por quem se ora experimenta alívio, porque é uma prova do interesse que lhe é dado e também porque o infeliz é sempre consolado quando encontra almas caridosas que se compadecem de suas dores.[1]


O silêncio se fez no crematório. A marcha fúnebre de Chopin inundava com suavidade o ambiente. Jean aproximou-se e sentou ao lado do corpo inerte, não sabia ele que a mãe o observava, em agonia.

Marisa permanecia a um canto do vasto salão em prece. As vibrações da sua súplica externada pelo pensamento iam sendo recolhidas pela equipe de Deboni e espalhando-se no ambiente. Aos poucos uma coluna fluídica foi sendo posicionada acima do corpo e envolvendo a morta, enquanto Jean fazia a sua catarse, conversando com a mãe. Falava da saudade que sentira dela durante toda a sua existência. Da vontade de voltar ao Brasil e conviver com ela e com o pai; de como aguardava as poucas vezes em que ela o afagava, mesmo que de forma ligeira, antes de dormir; das pouquíssimas histórias que ela contara para ele e das quais ele nunca esquecera. Era um coração machucado pelo abandono. Leontina ouvia as palavras do filho e aos poucos a preocupação extrema que sempre tivera para consigo mesma foi cedendo lugar à atenção para com aquela alma que ela colocara no mundo e se recusara a cuidar. Mesmo o seu corpo estando inerte, ali no esquife mortuário, conseguia ver todo o salão e se dava conta de que a única pessoa que restara ao seu lado era ele - Jean.

Uma dor pungente, muito maior do que a que sentira até então, durante todos os meses de doença, vergastava-lhe o ser. Era o arrependimento bendito que descia ao abismo das suas dores.

Jean sentiu um alívio ao falar cada palavra, mas também o impulso de pedir pela criatura de quem se despedia e que afinal era sua mãe e toda a mágoa que carregava consigo era porque queria ser amado por ela e queria que ela se deixasse amar por ele. Os sentimentos que brotavam do seu íntimo eram como um vulcão prestes a irromper. Em lágrimas, buscou a pessoa que se mantinha calada à distância e pediu:

- Dona Marisa, a senhora me ajuda a fazer uma oração pela minha mãe?

Marisa se adiantou, sentou ao lado dele e juntos proferiram uma rogativa sincera que permitiu, naquele momento, uma transição menos sofrida para Lentina.

“Deus, força misericordiosa, foco da Vida e do Amor para com todas as Tuas criaturas. Nossa pequenez, diante dos Teus sábios desígnios, turva o nosso olhar para surpreendermos a grandeza da Sabedoria que se revela na Lei magnânima que nos rege.

Ah, Senhor de excelsal bondade! Acolhe os corações mergulhados na dor para que dela retirem o bálsamo que recupera os tecidos da alma, estraçalhados pelas ações ditadas pela nossa ignorância.

Deixa-nos perceber o convite à força e à resiliência, onde as lutas se intensifiquem.

A chance de renovação onde apenas identificam-se os escombros das experiências malogradas.

A vida verdadeira onde a sombra da morte se projeta como realidade intransponível.

Ampara essa alma, que traz na fronte a filiação divina, nesse retorno ao mundo espiritual, com a bagagem que é o quanto ela soube e pode escolher. Sabemos que a tua Justiça é repassada de Amor e de Bondade, onde cada passo dos filhos pródigos que somos, na direção da Tua Casa, Pai, são motivos de júbilo ao teu coração bendito.

Ajuda-nos a silenciar as recriminações, perdoar as ofensas e erguermos a fronte para o Alto a fim de que a Tua luz banhe os nossos corações.

Embala os nossos mínimos desejos de ajuste com as diretrizes da felicidade que traçastes para Teus filhos com o carinho maternal que emana da tua Perfeição.

Aquieta os nossos anseios e dores, abraça-nos e reconforta-nos nessa hora e em todos os momentos em que soubermos buscar o Teu regaço.”

Uma flor de uma das coroas que cercavam a sala se desprendeu e uma lufada suave de vento jogou-a sobre o braço de Jean que estava pousado sobre os despojos de Leontina.

Marisa, com os olhos úmidos de lágrimas assinalou para o jovem:

- É o pedido de perdão da sua mãe. Fique em paz.


Referência: [1] Kardec, Allan. O livro dos espíritos (pp. 358-359). FEB Publisher. Edição do Kindle. Pergunta 664.

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