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Fraternidade - Cap. final



A visão da Terra, vista da colônia espiritual, estava magnífica. Aquele era um dos momentos de vibrações, agendados na espiritualidade, em favor do nosso planeta, onde os Espíritos benfeitores das famílias encarnadas se reuniam para atendimento aos seus amores em provas e expiações no orbe terrestre. Nesses instantes a psicosfera, normalmente infestada de miasmas oriundos dos pensamentos e sentimentos humanos em desequilíbrio, recebe o influxo das preces emanadas do Alto e atenua-se por breve tempo, o suficiente para a inoculação de ideias positivas e percepções saudáveis, que podem ser ampliadas à conta da vontade e esforço de cada um. Encerrada a prece, vamos encontrar Arlélis e Tomás em significativo diálogo.

- Tomás, sinto que Telêmaco tem se tornado mais permeável, dia após dia, às sugestões que lhe enviamos.

- Sim e Jorge Antonio tem participação decisiva nisso tudo. Nunca pensei em ver um encontro desses e presenciar a continuidade da minha história, depois da desencarnação, com atos desconhecidos para mim.

- Todas as nossas ações são sementes lançadas no solo da vida, destinadas ao florescimento. Deus, em sua sabedoria infinita, provê os mecanismos para o surgimento do bem, de onde nem sequer suspeitamos. Cometemos um ato ignóbil, um adultério resultante na gravidez de um filho não desejado, e que hoje é um benfeitor anônimo da vida do seu irmão.

- Você acha que um dia poderemos revelar isso aos dois – indagou Tomás - teremos consentimento dos nossos benfeitores amigos de trazer essa informação em uma reunião mediúnica, através de um médium confiável?

Em resposta ao diálogo, o instrutor Carlos aproximou-se e contemplando com bondade os dois interlocutores alinhou alguns apontamentos.

- Amigos, os parentescos de sangue são chances de aproximação, de perdão e de fortalecimento dos laços de amor entre as criaturas. Nas famílias, mergulhamos juntos no oceano imenso das nossas necessidades e aprendemos a descortinar as paisagens que nos requisitam os exercícios da razão e do coração para a formação da grande família universal. A vida física encerra as decisões elaboradas na personalidade transitória, como se fossemos os roteiristas e atores de um ato escrito e encenado até fechar-se a cortina pela morte do corpo físico. Após, somente em nova chance, pelo renascimento, nos é dado voltar a escolher nossos rumos. As decisões e omissões de vocês constam do ato já findo. Na Terra há um princípio utilizado pelos juristas, intitulado segurança jurídica, que não permite reabrir discussões e causar instabilidade nas relações quando presentes alguns pressupostos. A morte faz “coisa julgada” sobre as escolhas do morto durante a trajetória física, ainda bem. Imaginem se depois de desenfaixados da carne os chamados defuntos decidissem interferir na condução das vidas dos seus afetos encarnados. Sem contar das querelas intermináveis suscitadas no campo da veracidade da autoria das comunicações. Não, Tomás. O importante é ampararmos e fomentarmos nos corações de Telêmaco e Jorge Antonio o sentimento já em florescimento. Lembremos do Mestre Jesus ao dar o exemplo da necessidade do silêncio dos mortos para não tolherem a liberdade de escolha dos vivos, conforme o ensinamento narrado por Lucas na Parábola do Mau Rico.

Disse o rico: “Eu então te suplico, pai Abraão, que o mandes à casa de meu pai, onde tenho cinco irmãos, a dar-lhes testemunho destas coisas, a fim de que não venham também eles para este lugar de tormento.” — Abraão lhe retrucou: “Eles têm Moisés e os profetas; que os escutem.” “Não, meu pai Abraão,” — disse o rico: “Se algum dos mortos for ter com eles, farão penitência.” — Respondeu-lhe Abraão: “Se eles não ouvem a Moisés, nem aos profetas, também não acreditarão, ainda mesmo que algum dos mortos ressuscite.” (Lucas, 16:19 a 31.)[1]


Ponderou, ainda, o venerando benfeitor: - a tarefa que vos cabe será, enquanto lhes for permitido, inspirar os vossos filhos a consolidarem os belos laços de amor fraternal existente entre eles, pois como registram os Espíritos que ditaram a Codificação. “Não são os da consanguinidade os verdadeiros laços de família, e sim os da simpatia e da comunhão de ideias, os quais prendem os Espíritos antes, durante e depois de suas encarnações.[2]

Arlélis e Tomás tinham os olhos marejados de lágrimas e ela percebendo ainda uma ponta de inconformidade em Tomás, falou: - perdoe-me por haver omitido a gravidez de Jorge, e sei que impedi a tua escolha de assumir ou não a paternidade do meu filho, mas não me senti no direito de tumultuar um lar constituído e busquei reparar a tempo a minha leviandade em relacionar-me com um homem já comprometido.

- Não tenho autoridade moral para te recriminar, Arlélis. Apreciando a questão sob o ponto de vista que alcanço após o desenlace da matéria física, é fácil tecer juízo de valor sobre o acontecido, mas fico em dúvida se teria o mesmo entendimento àquela época, caso a sua decisão fosse a de me contar sobre a gravidez. Na Terra nos rendemos, facilmente, às convenções e padrões sociais e sempre fui alguém muito cioso dessas conveniências, indo até o terreno da hipocrisia para manter as aparências.

Aos poucos a fisionomia de Tomás foi abrandando, a testa contraída numa expressão preocupada foi relaxando e um sorriso se desenhou tímido enquanto falava com a voz embargada.

- Obrigado, Arlélis. Não sabes o bem que me faz saber dessa situação e do quanto ela é felicitadora, nesse momento, para mim. O filho que nunca segurei no colo, não beijei, não afaguei e não eduquei, hoje complementa, em meu lugar, o amparo e esclarecimento ao filho a quem dediquei os meus dias na Terra. A vida é estranha, mas justa.

Após breve saudação, Carlos se afastou para novas e urgentes tarefas, enquanto Arlélis e Tomás também retornavam aos seus afazeres na colônia.

Alguns anos se passaram e aquela manhã primaveril tinha cores e sonoridade características da época em que a natureza se ergue da languidez invernal, espreguiçando-se ante ao sol, revelando-se em sua beleza ímpar.

Jorge Antonio e Telêmaco se acomodavam no carro.

- Que pena, a Lélia não estar aqui para ver os netos chegando.

- Ora, Telêmaco, tu sabe que ela está aqui.

- É, mas é diferente, eu não sou como tu que fala com eles. Eu sou uma porta. Não sinto nada.

- Jorge Antonio riu gostosamente e ajuntou – Deixa comigo que te dou notícias.

Ambos chegaram e correram para a maternidade, onde o filho de Telêmaco andava de um lado para outro.

- Pai, Tio Jorge, está demorando muito.

- Calma filho – Jorge Antonio foi abraçando o pai de primeira viagem – tudo a seu tempo. E não esqueças que é um parto de gêmeos. Venha, sente aqui e vamos fazer uma prece para nos asserenar e ajudar os médicos e enfermeiros, com as nossas vibrações.

Tic...tac... tic... tac.

- Nasceram. Passam bem, mãe e filhos!

Os três homens abraçaram-se e Telêmaco sentiu pela primeira vez que a porta se abria, pois sentia o perfume de Lélia envolvendo-o, prorrompeu em pranto, sendo amparado pelo filho.

Olhando o delicado enfeite na porta do quarto da maternidade, os dois amigos – irmãos tinham os olhos banhados de lágrimas, diante da homenagem prestada pelos pais das crianças.

Bem-vindos Tomás e Arlelis

A gratidão dos filhos de Telêmaco a Jorge Antonio era imensa. Formaram ao longo do tempo uma só família, por isso o filho decidiu homenagear os pais dos dois amigos, dando-lhes o nome aos gêmeos. Não sabia ele o quão significativa era essa decisão.

A imortalidade é a prova cabal da justiça, bondade e misericórdia divinas.


Referências: [1] Kardec. Allan. O evangelho segundo o espiritismo. FEB Publisher. Edição do Kindle. Cap. XVI, item 5. [2] Idem. Cap. XIV, item 8.

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