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Psicanálise e Espiritismo: singelas reflexões

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    cse168
  • 24 de out.
  • 5 min de leitura

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Vinícius Lima Lousada¹


(...) Se fosse impossível o acordo entre a Ciência e a religião, não haveria religião possível. Proclamamos altamente a possibilidade e a necessidade desse acordo, porque, em nosso entender, a Ciência e a religião são irmãs para a maior glória de Deus e devem completar-se entre si, em vez de se desmentirem reciprocamente. Elas se estenderão as mãos, quando a Ciência não vir na religião nada de incompatível com os fatos demonstrados e a religião não mais tiver que temer a demonstração dos fatos. O Espiritismo, pela revelação das leis que regem as relações entre o mundo visível e o Mundo Invisível, será o traço de união que lhes permitirá se olhem face a face, uma sem rir, a outra sem tremer. É pela concordância da fé e da razão que diariamente tantos incrédulos são reconduzidos a Deus.²


Na profícua obra de Chico Xavier encontramos temas diversos que cercam os interesses relativos à evolução espiritual da criatura humana em diálogo entre Ciência e Espiritualidade. Não poderia ser diferente a caminhada empreendida pelos Benfeitores Espirituais através das obras vertidas pela mediunidade do companheiro, considerando-se a perspectiva da obra fundamental do Espiritismo que é de aliança entre Ciência e Religião.³ 

Assim, encontramos em O Consolador uma seção com questões sobre Psicologia e uma, especificamente, conectada diretamente à psicanálise freudiana. Lembremos que Sigmund Freud (06/05/1856 - 23/09/1939) foi um médico neurologista, judeu-austríaco que é considerado o pai da Psicanálise, constituindo-se em um dos nomes mais marcantes dos estudos psicológicos, cujos conceitos se popularizaram através de suas obras, fazendo escola e estruturando um campo de saberes fundamental para compreender as angústias humanas que se situam entre os ditames sociais e o desejo dos indivíduos.


A Psicanálise, como método terapêutico, foi sendo desenvolvida paulatinamente a partir das ideias de Freud. Ele se afastou das explicações puramente ligadas ao corpo, comuns à psiquiatria alemã da época, e passou a dar mais atenção aos fatores psicológicos na origem das neuroses, vivenciando a influência da escola francesa de Charcot (29/11/1825 - 16/08/1893). Ao criar a Psicanálise como teoria e método, Freud propôs um tratamento baseado na fala e na relação entre médico e paciente. Nesse processo, consolidou ideias importantes sobre a existência de um inconsciente dinâmico, cheio de conteúdos das emoções, além de dar relevo à sexualidade e ao mecanismo do recalque. (Fulgencio, 2003)

Vejamos a questão proposta para Emmanuel:


A Psicanálise freudiana, valorizando os poderes desconhecidos do nosso aparelhamento mental, representa um traço de aproximação entre a Psicologia e o Espiritismo?


 — Essas escolas do mundo constituem sempre grandes tentativas para aquisição das profundas verdades espirituais, mas os seus mestres, com raras exceções, se perdem na vaidade dos títulos acadêmicos ou nas falsas apreciações dos valores convencionais. Os preconceitos científicos, por enquanto, impossibilitam a aproximação legítima da Psicologia oficial e do Espiritismo. Os processos da primeira falam da parte desconhecida do mundo mental, a que chamam subconsciência, sem definir essa cripta misteriosa da personalidade humana, examinando-a apenas na classificação pomposa das palavras. Entretanto, somente à luz do Espiritismo poderão os métodos psicológicos apreender que essa zona oculta, da esfera psíquica de cada um, é o reservatório profundo das experiências do passado, em existências múltiplas da criatura, arquivo maravilhoso onde todas as conquistas do pretérito são depositadas em energias potenciais, de modo a ressurgirem no momento oportuno.


Na resposta do nobre Espírito, observa-se o reconhecimento quanto às contribuições da Psicanálise como uma escola de conquista de entendimento valioso sobre os potenciais da mente humana, podendo contribuir na aproximação entre as ciências psicológicas e a Ciência Espírita, mas, o benfeitor não deixa de advertir sobre os limites em que se coloca expressivo contingente de pesquisadores que, no academicismo se desnorteiam em “fogueiras das vaidades”, alimentadas pelas concepções materialistas a respeito da vida que interditam esse diálogo de saberes. Ao que parece, aliás, essas ciências têm o mesmo objeto de perquirição do Espiritismo, nada obstante, observado sob outro ângulo.


A Psicanálise não define plenamente a personalidade humana, tampouco alcança compreender o que dela prossegue vivendo após o decesso do corpo físico. Detém-se, portanto, onde o Espiritismo dispõe de instrumentos adequados a uma investigação profunda. Todavia, é somente com o aporte do elemento espiritual — conforme apresenta a Doutrina Espírita, alicerçada em método e racionalidade, em diálogo transdisciplinar com outras escolas — que a esfinge da alma humana pode ser decifrada, podendo-se trazer à tona o que até então permanecia ignorado. Nesse reservatório íntimo de vivências pretéritas encontram-se as aquisições da consciência imortal, a partir das quais o ser precisa aprender a marcha da vida e seguir em frente, rumo à plenitude.


Em que pese as diferenças epistemológicas entre ambas as ciências (Cabral, 2008), Espiritismo e Psicanálise, para Almeida (2023, p. 321):


Ambas são ciências naturais que  trazem,  em  seu  objeto  de  investigação,  dentre  outros,  o  estudo  e  a  compreensão das  nuances  do  psiquismo  humano e  que,  se  examinadas  atentamente  por  pesquisadores sérios e isentos dos preconceitos de crença, podem contribuir, de forma decisiva, na elucidação das causas dos mais variados transtornos psíquicos.


Ainda, é nesse mesmo sentido que se expressa Chico Xavier, inspirado por Emmanuel, em entrevista concedida ao amigo Fernando Worm:



“Benfeitores Espirituais comumente nos asseveram que a Psicanálise é uma ciência das mais respeitáveis na orientação do comportamento humano, esperando-se, no entanto, que venha a se enriquecer de valores espirituais sempre mais altos para o estabelecimento de motivações nobilitantes para a vida, a favor de quantos recorrem à sua intervenção e aos seus ensinos.”



Diante do exposto e considerando o notório crescimento de possibilidades de diálogo entre Ciência e Espiritualidade, desde o acolhimento no campo científico de estudos que revelam os benefícios da religiosidade para o bem-estar, em razão da identificação da contribuição identificada das práticas religiosas periódicas para o enfrentamento dos sofrimentos psíquicos e o florescimento humano, como aponta recente estudo oriundo de Harvard, se pode esperar um horizonte auspicioso de possibilidades. 


Esse futuro, de convergência profícua entre Ciência e Religião, vem emergindo há décadas dos esforços de estudiosos dos dois planos da vida que buscam diuturnamente, por vias inter e transdisciplinares, novos rumos para a saúde integral do ser através de sua renovação pelos caminhos da vivência do amor e da inteligência aplicada ao bem comum. Na gestação desse novo paradigma, que vem sendo constituído a muitas mãos, o Espiritismo, se bem compreendido, tem muito no que contribuir.



___________________________

¹ Vice-Presidente Doutrinário da Fergs.

²KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos: Ano sétimo – 1864/publicada sob a direção de Allan Kardec; [tradução de Evandro Noleto Bezerra; (poesias traduzidas por Inaldo Lacerda Lima)]. – 4.ed. – 1. imp. – Brasília: FEB, 2019, p. 272

³KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo (p. 40). FEB Publisher. Edição do Kindle, cap. I, item 8.

FULGENCIO, Leopoldo. Ola Andersson, 2000: Freud precursor de Freud: estudos sobre a pré-história da psicanálise. Natureza Humana, [S.l.], v. 5, n. 2, p. 529-535, jul.-dez. 2003.

XAVIER, Francisco Cândido; Emmanuel (Espírito). O consolador (Coleção Emmanuel) (pp. 37-38). FEB Publisher. Edição do Kindle, questão 45.

CABRAL, Elisandra Barbosa. Psicanálise e Doutrina Espírita: o percurso de um desencontro epistemológico e a audição de vozes. 2008. 174 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Programa de Pós-Graduação em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2008.

ALMEIDA  J. M. de . (2023). As tópicas de Freud e a casa mental de calderaro: uma proposta de integração entre psicanálise e Espiritismo. InRevista Ibero-Americana De Humanidades, Ciências e Educação. 9 (1), 320–337. Acessível em: https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/8207/3216. Acessado em: 04/10/25.

XAVIER, Francisco. Cândido; WORM, Fernando. A ponte: diálogos com Chico Xavier. Fernando Worm, Porto Alegre: Francisco Spinelli, 2016, 70-71.







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