O centro espírita e a Emergência Climática
- fergs
- 13 de jun.
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Vinícius Lima Lousada[1]
Isto posto, diremos que o nosso globo, como tudo o que existe, está submetido à lei do progresso. Ele progride, fisicamente, pela transformação dos elementos que o compõem e, moralmente, pela depuração dos Espíritos encarnados e desencarnados que o povoam. (...). Moralmente, a humanidade progride pelo desenvolvimento da inteligência, do senso moral e do abrandamento dos costumes. - Allan Kardec[2]
O Espiritismo, como doutrina filosófica, é capaz de dialogar com várias áreas do conhecimento e com os problemas do mundo contemporâneo a fim de espiritualizar, com racionalidade, os temas que nos cercam e contribuir com suas análises, soluções e, também, subsidiar o adepto do Espiritismo em sua ação no mundo, naturalmente orientada pelo seu livre-arbítrio. Mas, o livre-arbítrio, como um atributo da alma, não prescinde do saber para que o discernimento seja ajustado a uma ética alinhada às Leis Morais.
O centro espírita, que tem por missão básica difundir o pensamento espírita e educar os sentimentos através de suas atividades de estudo, prática e difusão da Doutrina dos Espíritos, deve dialogar com as questões do nosso tempo e promover ações em prol do bem comum, em defesa da vida na mais ampla perspectiva, seja por coerência ao olhar transdisciplinar e dialógico que Kardec confere ao Espiritismo, seja para que, sem perder sua coerência doutrinária ante a organização e bases filosóficas do Espiritismo, o centro espírita se vitalize e dinamize em diálogo com os contextos em que se insere.
Obviamente, aqui estamos nos pautando na tradição filosófica de fé raciocinada iniciada por Kardec, e que não pode ser confundida com a absorção superficial de qualquer tema à luz do Espiritismo, pois, com humildade, precisamos considerar sempre que o nosso conhecimento costuma ser limitado às perspectivas que temos e, na condição de Espírito imortal em evolução, sabemos bem menos do que acreditamos saber. Além disso, há temas que não são da alçada do Espiritismo, fogem do espectro de seus estudos, cabendo mesmo aos cientistas ou pensadores de outras áreas do conhecimento.
Entre os temas que nos desafiam na atualidade, toca ao estudo das Leis Morais preconizadas no Espiritismo, estão a ecologia e a emergência climática, complexo desafio contemporâneo no sentido ético, científico, espiritual e educacional. Como seres também biológicos, estamos interconectados à biosfera e, como seres espirituais, compomos com pensamentos e fluidos que produzimos uma rede interexistencial de conexões. Todos os seres da vida estamos conectados biologicamente e, na faixa vibratória em que nos situamos, sintonizamos espiritualmente com outros Espíritos.
Do ponto de vista de ambientalistas e estudiosos do tema da ecologia, estamos vivenciando um período denominado por Antropoceno, que pode ser compreendido como um período geológico em nossa Casa Comum, demarcado a partir de quando se faz sentir o impacto destrutivo de nossa espécie sobre a natureza terrestre, ao longo da história. E, entre as características deste período geológico, marcado pela nossa atuação para com a vida do planeta, podemos destacar: mudanças climáticas; assinatura geológica global (depósitos de materiais sintéticos e radioativos detectados em camadas de sedimentos e solos ao redor do mundo); extinções em massa de outras espécies; modificação de ciclos naturais; urbanização e mudanças no uso da terra, nem sempre em acordo com as demandas do ambiente para a sua sustentabilidade.
Ante o exposto, o Antropoceno e seus funestos efeitos sobre a natureza nos levam a falarmos do que se convencionou chamar de emergência climática. Conceitualmente:
“O Estado de Emergência Climática é uma ação que autoridades, governantes ou cientistas declaram como forma de reconhecer publicamente que o estado atual climático requer novas medidas contra as mudanças climáticas, afirmando que as medidas utilizadas até o momento não estão sendo efetivas para evitar a intensificação dessas mudanças no clima.”[3]
A Emergência Climática, como consequência da ação humana para com a Mãe Terra, nos mostra que carecemos, com urgência, de mudanças paradigmáticas que promovam uma visão de mundo voltada à comunhão universal, reconhecendo que somos todos partícipes de uma mesma Casa Comum. A partir de nossa condição de filhos de Deus, é imperativo cultivarmos uma cultura de responsabilidade, solidariedade e reverência pela vida em todas as suas formas.
Essa nova consciência deve orientar decisões políticas, econômicas e sociais, rompendo com a lógica da exploração desenfreada e orientando-se pela lógica do cuidado, da justiça e da espiritualidade integral. Somente assim poderemos reverter o curso autodestrutivo que ameaça não apenas o ambiente, mas também a própria vida humana. Mas a crise ecológica traduz uma crise moral promovida pela subjetivação do materialismo. Afirmava Léon Denis, no século passado, em uma obra não publicada em nossa língua sobre o ensino e a vida futura:
“Em todos os lugares, tanto internamente quanto externamente, é um estado de crise preocupante. Sob a superfície brilhante de uma civilização refinada, esconde-se um profundo desconforto. A irritação aumenta nas fileiras sociais. O conflito de interesses, a luta pela vida, tornam-se cada vez mais acirrados. O sentimento do dever enfraqueceu na consciência popular, a ponto de muitos homens não saberem mais onde está o dever. (...)”[4]
E é para essa crise moral que o Espiritismo apresenta eficaz antídoto: o conhecimento das Leis Naturais que situa o indivíduo quanto ao seu lugar no cosmos. Através dos estudos espíritas em diálogo permanente com as ciências da vida, é possível uma conscientização ecológica numa perspectiva que considere as suas dimensões ambiental, sociopolítica, mental e integral, na direção de uma espiritualidade engajada e pacificamente transformadora, figurando como uma contribuição possível através da atuação do espírita no mundo.
Aprendemos, desde as ações que a equipe do Projeto Saber Ambiental Fergs[5] sugere, que entre as possibilidades para o centro espírita no sentido da conscientização ecológica, é possível desenvolver ações como: organização de palestras e oficinas que abordem temas relacionados à ecologia e à sustentabilidade; estudos dirigidos; campanhas de consumo responsável; desenvolvimento de hortas comunitárias (imaginemos que bela integração é possível para com ações de Assistência e Promoção Social Espírita em comunidades), gestão de resíduos; formação continuada de trabalhadores do centro espírita no tema, através das oficinas, alimentação inclusiva e integração do tema da ecologia aos grupos de estudos espírita e Evangelização da Infância e Juventude.
O pensador indígena Ailton Krenak (2022)[6], atento à Emergência Climática, alerta que o corpo da Terra não aguenta mais. Nos sensibilizemos pelo tema, tão presente em tratados de co-responsabilidade entre países do mundo, desde a Conferência de Estocolmo (1975) e sintetizado com sabedoria na Carta da Terra (2000), e avancemos dando início a novo recomeço para a relação que temos com o nosso Lar Planetário, com os nossos irmãos e irmãs humanos e não-humanos.
Referências:
[1] Vice-Presidente Doutrinário da Fergs.
[2] KARDEC, Allan. A gênese. FEB Publisher. Edição do Kindle, (pp. 355-356), Cap. XVIII, item 2.
[3] FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. CONSELHO FEDERATIVO NACIONAL. Campanha Espírita Permanente de Conscientização Ecológica (CEPCE). Brasília, DF: FEB, 2022, p. 22. Acessível em: https://www.fergs.org.br/_files/ugd/3f6cd7_307191f1f672498687cc374d8a9c0267.pdf . Acessado em 05/06/2025.
[4] DENIS, LÉON. L'enseignement et la vie future. Éditions Jean Meyer: Paris, 1930, p. 6.
[5] Acessível em: https://www.fergs.org.br/_files/ugd/3f6cd7_047edc92d55c4ad68ad05c6f56537b37.pdf. Acessado em: 05/06/25.
[6] KRENAK, Ailton. Futuro ancestral. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
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