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Humildade, Fé e Cura Interior




Vinícius Lima Lousada[1]


Evidentemente, a vida de Jesus, seus ensinos e parábolas permitem diversos olhares interpretativos desde a escola filosófica ou religiosa através da qual o pensador se dedique a compreender os textos de O Novo Testamento.

Em se tratando de reflexão espírita sobre as escrituras, o nosso foco sempre será em seu conteúdo moral, componente fundamental da Filosofia Espírita que converge com a proposta transformadora do Evangelho de Jesus.

Meditaremos aqui sobre a passagem da mulher acometida por um fluxo de sangue, retratada nos evangelhos de Mateus (9:20-22); Marcos (5:25-34) e Lucas (8:43-48).


“E eis que uma mulher, que sangrava há doze anos, aproximou-se por trás e tocou na orla da sua veste. Pois dizia consigo: Se somente tocar na sua veste, serei salva. Jesus, voltando-se e vendo-a, disse: Anima-te. filha, tua fé te salvou. A mulher foi salva a partir daquela hora.”[2]


O contexto desta passagem evangélica está em meio ao processo da cura da filha de Jairo (Mateus 9: 18-19 e 23-26). E o cenário de sua ocorrência é Cafarnaum, ou seja, “Aldeia de Naum] Cidade que ficava junto ao mar da Galileia. Foi o centro das atividades de Jesus durante o seu ministério na Galileia (Mt 4.13; 8.5-17; 9.1-26).”[3] Considere-se que os personagens principais desta passagem (Mateus 9:20-22) são a mulher que sangrava há doze anos e Jesus, o Mestre.

A atitude íntima adotada por esta mulher era repleta de humildade e fé. A humildade, esta virtude cristã, é compreendida pelos Espíritos Superiores da seguinte forma:


A humildade é uma virtude muito esquecida entre vós. Os grandes exemplos que vos foram dados pouco são seguidos. Entretanto, sem humildade, podeis ser caridosos com o vosso próximo? Oh! não, pois este sentimento nivela os homens, dizendo-lhes que todos são irmãos, que se devem auxiliar mutuamente e os conduz ao bem. Sem a humildade, apenas vos adornais de virtudes que não possuís, como se trouxésseis um vestuário para ocultar as deformidades do vosso corpo. Lembrai-vos daquele que nos salvou; lembrai-vos da sua humildade, que o fez tão grande e o colocou acima dos profetas.[4]


Além de uma virtude, a humildade é colocada pelo Espírito Lacordaire[5] como um sentimento que nos conduz a um modo de ver os outros como irmãos dignos de auxílio mútuo e, portanto, ela nos convoca à efetiva realização do bem, até porque a virtude só é verdadeira em nós quando se faz ativa.

A fé, em termos de Doutrina Espírita, é assinalada por Kardec assim:


“(...) a confiança que se tem na realização de uma coisa, a certeza de atingir determinado fim. Ela dá uma espécie de lucidez que permite se veja, em pensamento, a meta que se quer alcançar e os meios de chegar lá, de sorte que aquele que a possui caminha, por assim dizer, com absoluta segurança. (...)”[6]


Logo, a fé é confiança na realização de algo, baseada no raciocínio da possibilidade deste ou daquele fato, vislumbrada pelo pensamento e anelada pelo coração. A humildade e a fé operam uma cura interior que favorece a intervenção curadora de Jesus, através de sua atmosfera fluídica própria de um Espírito Puro, consoante a classificação kardequiana. E, é importante considerar o que Joanna de Ângelis nos ensina sobre curas: “A cura real somente ocorrerá do interior para o exterior, do cerne para a sua forma transitória.”[7]

A mulher vitimada pelo sangramento tinha a convicção de que se somente tocasse a veste do Amigo Divino seria salva. Ela tinha ânimo para enfrentar as situações-limites que a sua condição de enferma e mulher impunham, numa sociedade machista e excludente como aquela, para buscar o socorro do Amigo de todos nós.

Aliás, neste caso o nosso confrade Felipe Mascarenhas nos sugere:


“(...) Percebamos o perseverante deslocamento empreendido pela mulher até chegar ao instante do toque. Muitos caminhavam em dinâmica puramente exterior, sufocando interiormente os convites amorosos à vivência solidária, pois nem sempre os passos exteriores representam a dinâmica do mundo interior. Curar enfermidades da alma pede o direcionamento dos nossos esforços na direção da vivência dos postulados do Evangelho.”[8]


A cura interior é um processo de aclimatação da alma ao que o Evangelho, como roteiro de jornada ascensional, nos pede.

Quanto à condição das mulheres, naquele contexto, aponta-nos o Benfeitor Emmanuel, em belíssima mensagem intitulada “A mulher ante o Cristo” que


Há vinte séculos, com exceção das patrícias do Império, quase todas as companheiras do povo, na maioria das circunstâncias, sofriam extrema abjeção, convertidas em alimárias de carga, quando não fossem vendidas em hasta pública. Tocadas, porém, pelo verbo renovador do divino Mestre, ninguém respondeu com tanta lealdade e veemência aos apelos celestiais.[9]


Aquela mulher transformou a sua atitude íntima em ação e aproximou-se do Mestre, tocou a orla de sua roupa vindo a curar-se. De aflita, paralisada pela doença, fez-se determinada benfeitora de si mesma na procura da cura real no encontro com Jesus, legando-nos uma bela lição de humildade (na busca pelo Mestre), de fé (na conquista da cura) e de coragem (na exposição e enfrentamento de suas dores) ante às nossas próprias lutas.

A narrativa de Mateus nos fala em salvação. Esta categoria comum ao pensamento religioso tem uma conotação diferente no Espiritismo, como bem nos elucida Emmanuel em o Consolador: “Dentro das claridades espirituais que o Consolador vem espalhando nos bastidores religiosos e filosóficos do mundo, temos de traduzir o conceito de salvação por iluminação.”[10] Dessa forma, a palavra salvação remete aqui a este movimento da alma, em direção à justiça, ao amor e à ciência, que traz lucidez no que tange às Divinas Leis e provoca a adesão paulatina do Espírito ao que elas preconizam.

No estudo sobre esta cura realizada por Jesus, Kardec problematiza:


Mas, por que essa irradiação se dirigiu para aquela mulher e não para outras pessoas, uma vez que Jesus não pensava nela e tinha a cercá-lo a multidão? É bem simples a razão. Considerado como matéria terapêutica, o fluido tem que atingir a matéria orgânica, a fim de repará-la; pode então ser dirigido sobre o mal pela vontade do curador, ou atraído pelo desejo ardente, pela confiança, numa palavra: pela fé do doente. (...)[11]

Assim, caro(a) leitor(a), creio que podemos concluir que a superação de muitas mazelas orgânicas que vivemos conta não somente com os recursos indispensáveis da Ciência Médica. É preciso, do ponto de vista que temos, desde a compreensão da vida futura, a construção de nossa cura real, aquela efetivada pela educação de nós mesmos, muitas vezes favorecida pelas doenças que nos fazem realinhar o modo de vida, compreensão e propósito pessoal aos valores espirituais apontados pelas Leis Morais.

Enfrentemos, portanto, as crises do momento com humildade, reconhecendo o nosso lugar na grande família universal e fazendo-nos cooperadores na construção da saúde espiritual de nosso Orbe, trabalhando, desse modo, com fé operante a fim de que o bem se efetive em todas as instâncias da vida terrena, a começar pelo reino de nossa individualidade.


Referências Bibliográficas: [1] Diretor da Área de Formação de Lideranças Espíritas da FERGS. [2] Todas as traduções de O Novo Testamento utilizadas aqui são feitas por Haroldo Dutra Dias, publicada pela Federação Espírita Brasileira. O trecho aqui extraído está em Mateus (9:20-22) [3] Kaschel, Werner; Zimmer, Rudi. Dicionário da Bíblia de Almeida (Locais do Kindle 1921-1922). Sociedade Bíblica do Brasil. Edição do Kindle. [4] KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. FEB Publisher. Edição do Kindle. Cap. VII, item 11. [5] A Federação Espírita do Paraná tem um belo estudo sobre os expoentes da codificação espírita, caso o(a) leitor(a) quiser saber mais sobre o Espírito de Lacordaire pode acessar esta página: http://www.feparana.com.br/topico/?topico=430. [6] Kardec, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. FEB Publisher. Edição do Kindle. Cap. XIX, item 3, p. 252. [7] FRANCO, Divaldo. Elucidações psicológicas à luz do espiritismo. 3. ed. Pelo Espírito Joanna de Ângeis. Geraldo Campetti e Paulo A. Pedrosa (org.). Salvador: LEAL, 2017, p. 117. [8] MASCARENHAS, Felipe. As perguntas de Jesus. Porto Alegre: Fergs Editora, p. 101. [9] XAVIER, Francisco Cândido. Religião dos espíritos. Pelo Espírito Emmanuel. Edicei. Edição do Kindle. [10] Xavier, Francisco Cândido. O Consolador. Pelo Espírito Emmanuel. FEB - Federação Espírita Brasileira. Edição do Kindle, questão 225. [11] MASCARENHAS, Felipe. As perguntas de Jesus. Porto Alegre: Fergs Editora, 2020, p. 101.

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