A coragem para ser bom - cap. 18
O Espiritismo vem abrir os olhos e os ouvidos, porquanto fala sem figuras, nem alegorias; levanta o véu intencionalmente lançado sobre certos mistérios. Vem, finalmente, trazer a consolação suprema aos deserdados da Terra e a todos os que sofrem, atribuindo causa justa e fim útil a todas as dores.[1]
A sintonia é uma edificação pessoal, onde se alinham os pensamentos, sentimentos e ações de cada um, compondo a atmosfera das criaturas e representando um complexo de forças a exercer atratividade sobre os afins, estabelecendo parcerias para as realizações escolhidas.
- Nanda, preocupo-me com o Ramão, ele não é um homem perverso, porém a mágoa e o ressentimento estão se cronificando e vejo laivos de ódio nas suas palavras ao atribuir a Antonio Cezar a responsabilidade pela morte do filho e provavelmente da mãe, de quem não teve mais notícias.
- Valdo, está na hora de criarmos aquele grupo espírita aqui na fazenda. Há tempos viemos procrastinando isso, por julgarmos mais fácil frequentarmos o Centro Espírita Luz e Paz, na cidade, mas os nossos colaboradores, as famílias moradoras dos arredores não possuem a mesma condição de deslocamento. Temos de ofertar a bênção de conhecer o Espiritismo a todos os que desejarem.
- Tens razão, minha querida! Sabes do trabalho gigantesco a nos aguardar nessa ação. Iniciaremos com o estudo e teremos um caminho longo até formarmos colaboradores para as atividades do grupo.
- Lembremos, Valdo, nunca estamos desassistidos no labor da Seara Espírita e se iniciarmos a caminhada os trabalhadores virão.
A mediunidade de Fernanda, educada no longo período de trabalho devotado ao bem, registrou de pronto a presença do Espírito Francisco Spinelli, o qual se encarregara de coordenar os trabalhos de implantação daquele núcleo de estudos do Espiritismo, planejado há mais de três décadas na espiritualidade, aguardando pelas ações humanas voltadas a sua execução.
As reuniões durante o desdobramento pelo sono fisiológico já se processavam há vários anos, no entanto a decisão dos encarnados para se lançarem em uma empreitada desse quilate deve ser absolutamente voluntária e livre de quaisquer condicionamentos exteriores, em razão do mérito a ser obtido com o êxito, quanto à coragem da fé e a perseverança a serem arregimentadas para as atividades a exigirem força espiritual e confiança na Providência Divina.
Implantar um posto avançado da Luz nas trevas do mundo é tarefa de abnegação e, portanto, se insere no tipo de escolha consciente por excelência. Daí o fato de que as lições preparatórias são alocadas pelos benfeitores amigos para acesso somente com a senha do trabalho em realização, no momento preciso em que as necessidades afloram em meio ao plantio da messe. Fernanda sentia aporte de forças naquele momento, mas não se sentia premida por qualquer força constritora para decidir. Há dias acordava com a sensação de estar na hora de fundar o grupo de estudo da Doutrina Espírita naquelas paragens.
Enquanto os preparativos transcorriam nas duas dimensões da vida, Nice entrava em processo de gestação de risco, sendo-lhe recomendado repouso, o que facilitava os cuidados dos pais, pois ela tivera de mudar-se para a fazenda paterna, criando, no entanto, outro dilema para Nivaldo.
Com Nice a frente dos negócios criminosos de Antonio Cezar, o trânsito de pessoas ligadas a ele passou a ser comum na residência, criando tensão e requisitando de parte da equipe espiritual responsável por aquele lar, um reforço no amparo vibracional na manutenção dos propósitos de Nivaldo, que buscava uma forma de obstar a situação sem perder a condição de cuidar da filha e do neto que chegaria em breve.
Sentiam-se vigiados e coniventes com as atividades ilegais do genro e da filha, porém como denunciá-las sem entregar a própria filha em processo de gravidez difícil? Embora a relação estabelecida com o Delegado e o Promotor da cidade essa era uma situação impossível de compartilhar com eles, pois implicaria na prisão preventiva de Nice, em investigações, no momento em que a possível tranquilidade da mãe era crucial para o bom termo da gravidez.
Nivaldo e Fernanda intensificavam as orações e realizavam, diariamente o Evangelho no lar, sempre que Nice concordava o faziam no seu quarto, atingindo com os efeitos da prece os envolvidos naquele evento reencarnatório. Essa medida ergueu uma proteção magnética impedindo a aproximação dos adversários desencarnados de Nice e Antonio, que ficavam à espreita, mas sentiam a contenção a manterem-nos à distância. A conexão mental de Nice com os comparsas espirituais sofrera interrupções em favor do reencarnante e dos avós, empenhados em construir uma cidadela de luz naquele contexto.
As reuniões iniciaram com o estudo da Obra “O que é o Espiritismo” e a leitura de trechos e reflexões de “O Evangelho segundo o espiritismo”, para edificar a atmosfera coletiva daquele embrião de centro espírita em aclimatação no Orbe terrestre.
Os dirigentes do centro estenderam convites aos colaboradores da fazenda e às famílias vizinhas que, timidamente, foram se agregando, após os pioneiros relatarem aos demais sobre o ocorrido nas reuniões, auxiliando-os a vencer o medo decorrente da ignorância e do misticismo de alguns.
Ramão veio desde o primeiro encontro e saiu impressionado com o que ouvia, especialmente sobre a vida futura, a verdadeira vida:
“A vida espiritual é, com efeito, a verdadeira vida, é a vida normal do Espírito, sendo-lhe transitória e passageira a existência terrestre, espécie de morte, se comparada ao esplendor e à atividade da outra. O corpo não passa de simples vestimenta grosseira que temporariamente cobre o Espírito, verdadeiro grilhão que o prende à gleba terrena, do qual se sente ele feliz em libertar-se.[2]
A conversa vertida em palavras simples, adequadas ao entendimento dos presentes, feita por Fernanda, deixou-o com muitos questionamentos e mais tarde foi saber de Nivaldo.
- É sério mesmo, patrão, a vida de verdade é depois da morte? Então o meu filho e minha mãe estão vivos, não sentem mais fome e sede? E eu posso falar com eles? Minha cabeça está fervendo seu Nivaldo.
- Todas as suas perguntas têm uma só resposta. Sim. Estão vivos, não sofrem as necessidades do corpo, e você pode falar com eles pela oração. Quando fizermos a prece nos nossos encontros de estudo, pense nos dois e ore por eles. Você vai se sentir bem, como se estivesse na presença deles e eles a te ouvir. Existe uma capacidade de nos comunicar uns com os outros, ainda não desenvolvida por muitos, chama-se mediunidade. Porém o pensamento é uma força a se prestar para o envio das nossas ideias e sentimentos.
- Mas falar, falar mesmo a gente pode? – voltou a perguntar Ramão.
- Pode quando somos médiuns e temos o nosso organismo preparado para isso. Alguns são médiuns e servem de instrumento aos Espíritos, quando há necessidade de uma comunicação.
- A dona Fernanda é médium não é? Será que ela fala com a minha mãe.
- A pergunta é outra, Ramão. A sua mãe poderá se comunicar pela Fernanda? Essas questões são decididas pelo mundo espiritual, não por nós. Ademais, tu nem sabes se tua mãe já desencarnou, não é mesmo?
- Não tenho esperança dela estar viva.
- Vamos fazer o seguinte, irmão Ramão – o que Jesus nos ensina - pedir para obter. Peça o melhor para os seus amores. Se o melhor for a comunicação, no momento certo ela virá. Se não for, confiamos que Deus cuida de todos nós.
Daquele dia em diante, Ramão estava assíduo ao trabalho e a revolta foi dando lugar à pacificação, o que deixava Nice e a falange de inimigos deveras contrariados.
Referências:
[1] Allan Kardec. O evangelho segundo o espiritismo (Portuguese Edition) (p. 119). FEB Publisher. Edição do Kindle. Cap.VI. Item 4.
[2] Allan Kardec. O evangelho segundo o espiritismo (p. 339). FEB Publisher. Edição do Kindle.
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