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A caravana que prossegue


"Vinculados e adesos ao trabalho, nos Grupos de Ação, Casas e Entidades veneráveis, auxiliemos, verdadeiramente ligados à Causa, ao Cristo e a Kardec.” - Joanna de Ângelis[1]

Quando matriculados nos serviços de unificação do movimento espírita, a fim de atendermos assertivamente aos ditames superiores a que nos encontramos vinculados, quais são de amor, serviço aos semelhantes, de divulgação do Espiritismo e da expansão da mais lídima fraternidade sobre a Terra, em um mundo em transição, somos convidados a buscar as bases desse plano de trabalho, ainda que de modo breve.

Para tanto, recordamos a recomendação do Divino Amigo que instou os companheiros de primeira hora de Cristianismo ao amor ágape, fraternal e recíproco, estribado no sentimento de fraternidade, como forma de identificação dos discípulos da Boa Nova ao afirmar: “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros”.[2]

Em sintonia com a proposta do Mestre, as anotações de Atos dos Apóstolos apontam, na descrição que faz dos acontecimentos na comunidade cristã sob a liderança de Simão Pedro, que “O coração e a alma dos que creram eram um {só}, e ninguém dizia ser somente seu algo do que possuía, mas todas as {coisas}lhes eram comuns.”[3] E, mais tarde, nessa mesma perspectiva, o apóstolo da gentilidade em sua inspirada alocução bradou aos irmãos de Corinto: “Ora, vós sois o corpo de Cristo, e seus membros em particular.”[4] Desse modo, Paulo de Tarso arregimentou corações para a unidade possível em Cristo, viável ante os limites impostos pela sombra presente na alma humana.

Naturalmente, sabe-se que nem sempre nas primeiras horas e séculos do Cristianismo, a fraternidade pura e simples - fincada nas bases da identidade comum da condição filho de Deus - e a simplicidade preconizada no Evangelho, orientaram a conduta dos irmãos de ideal cristão. Estudos históricos revelam que da diversidade de compreensões da mensagem do evangelho, apesar de seus postulados orientados pela Lei do Amor, houve dissidências, incompreensões, disputas injustificáveis e ânsia por imposições de grupos ou pessoas, ignorando-se os exemplos dos homens da Casa do Caminho e do próprio Mestre da Cruz. Tomemos por exemplo o registro do insigne pesquisador espírita Hermínio Miranda, na introdução de seu notável livro “O evangelho gnóstico de Tomé”, quando afirma: “Ao contrário do que se poderia pensar, o movimento cristão primitivo não constituiu um bloco monolítico de crenças e ritos administrados por uma única e incontestada instituição. Durant estima em uma centena as seitas dissidentes suscitadas no decorrer dos três primeiros séculos da era cristã.”[5]

Entretanto, a despeito dos limites espirituais dos homens daquela época, sob o influxo do próprio Cristo, o apelo à união dos cristãos prosseguiu e persevera embalando os corações rumo a convergência nos bons propósitos de renovação do espírito humano na estrada da benevolência, do perdão e da indulgência, facetas indeléveis da caridade cristã[6], onde se devem transformar conflitos em bênçãos em prol da Causa abraçada e, igualmente, em motivo de transformação interior aos que o protagonizam.

Na Idade Média, não podemos esquecer, também, o trabalho de reconstrução do evangelho em sua pulcritude apresentado por Francisco de Assis e os irmãos menores que seguiram sua trajetória luminosa, sob a inspiração de Jesus. Os amigos de Francisco, tal qual se reporta o Espírito Camilo, falando dos Espíritos vinculados ao ideal cristão e afetados positivamente pelo psiquismo do Irmão da Pobreza, não podem esquecer que ele é “um dos Guias do Mundo, interessado em que todos nos unifiquemos na ação do amor verdadeiro, aquele que doa e se doa, que integra e que se entrega, sem misturar-se à sujidade moral da época, sem confundir-se com a exacerbação sensorial desses dias complexos da marcha humana.”[7]

Nos dias do Consolador na Terra, no século XIX, não haveria de ser diferente, e o Espírito de Verdade vem conclamar-nos, através das anotações de Allan Kardec: “Espíritas! amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o segundo. No Cristianismo encontram-se todas as verdades; são de origem humana os erros que nele se enraizaram. Eis que do além-túmulo, que julgáveis o nada, vozes vos clamam: “Irmãos! nada perece. Jesus-Cristo é o vencedor do mal, sede os vencedores da impiedade.”[8] Aqui, o Espírito da Verdade diferencia o essencial do Cristianismo ensinado por Jesus daqueles desnecessários enxertos teológicos e hierárquicos postos à força de dogma, no passado, e conclama-nos ao estudo e ao trabalho de amor ao próximo, junto à comunidade de ideal filosófico na qual nos inscrevemos.

Allan Kardec, missionário da Nova Era não deixou de exortar os espíritas à fraternidade recíproca, ao ponto de propor, em resposta a um convite dos espíritas de Bordeaux, algo de utilidade a todos nós, ainda nos dias atuais: “Continuai, pois, meus amigos, a grande obra de regeneração iniciada sob tão felizes auspícios, e em breve colhereis os frutos da perseverança. Provai, sobretudo por vossa união e pela prática do bem, que o Espiritismo é a dádiva da paz e da concórdia entre os homens, e fazei que vendo-vos se possa dizer que seria desejável que todos fossem espíritas.”[9] O mestre lionês apostava nas visitações entre os grupos para trocas de impressões, estreitamento dos laços de fraternidade e instrução em regime de colaboração, indispensáveis ao fortalecimento do movimento de ideias que se estruturou com base na Doutrina dos Espíritos.

No âmbito do movimento espírita brasileiro é oportuno remontar aos esforços bem inspirados da ação coletiva que, em 1950, ficou conhecida como a Caravana da Fraternidade que teve à sua frente espíritas de alto quilate moral como “Os caravaneiros – Artur Lins de Vasconcelos, Carlos Jordão da Silva, Francisco Spinelli, Ary Casadio e Leopoldo Machado (...)”[10] que do sul do Brasil voaram de Salvador ao Norte do país visitando toda as capitais para promover o ideal de união da grande família espírita brasileira a partir dos propósitos que fomentaram o Pacto Áureo no ano de 1949, em torno da Federação Espírita Brasileira. A Caravana se dissolveu em dezembro de 1950, na visita fraterna da mesma junto ao médium mineiro Francisco Cândido Xavier quando, na ocasião, recebeu instrutiva mensagem do abnegado benfeitor Emmanuel sobre o tema da união e outro do poeta Amaral Ornellas.

A Caravana da Fraternidade que ainda norteia o movimento espírita brasileiro ecoa nos corações dos espíritas gaúchos sob a inspiração do amorável peregrino Francisco Spinelli. Ainda é instrutivo referir que a caravana tinha, resumidamente, por proposta de trabalho: “(I) Conferências culturais para o grande público, que atraíram verdadeiras multidões a elas, tarefa esta quase que da responsabilidade do prof. Leopoldo Machado; (II) Reuniões de mesa-redonda para reajustamento de pontos de vista em choque, das quais o ideal de unificação sempre saiu vitorioso, por isso que de todas elas foram lavradas as respectivas atas; (III) Visitas de estímulo às instituições espíritas de assistências social; (IV) Programas sociais, organizados pelos irmãos visitados.”[11]

Antes da Caravana da Fraternidade, contudo, Spinelli e outros espíritas da Serra Gaúcha, no ano de 1938 “(…) percorreram os povoados dos 'Campos de Cima da Serra', inicialmente a cavalo, fundando núcleos familiares e disseminando a leitura de obras espíritas.”[12] Essa atividade, denominada nos registros históricos de Caravanas de Divulgação, onde palestras eram realizadas em salões alugados, livros espíritas eram distribuídos e grupos espíritas familiares eram criados, dando início para sociedades espíritas devidamente organizadas que futuramente surgiram, também compõe a herança do que se optou por denominar de reuniões regionais no Rio Grande do Sul, a partir do trabalho unificador da Federação Espírita do Rio Grande do Sul (FERGS).

As reuniões regionais espíritas, promovidas ao longo da história da FERGS, até com denominações diversas ao longo do tempo, apresentam ideário similar composto por nobres intenções, tais como: reunir companheiros no fortalecimento da proposta de união e unificação do movimento espírita gaúcho; estruturar estratégias de popularização do Espiritismo; entusiasmar irmãos do interior e da capital em seus labores doutrinários; a partilha de saberes; a fraternidade recíproca, a comunhão de vistas nos serviços do Consolador, tendo por bases o Evangelho e a Obra Kardequiana; além da convivência salutar e edificante.

De algum modo, sob a inspiração dos benfeitores espirituais, ainda que com modernos processos de gestão, apostando na formação de lideranças, gestores e trabalhadores dos centros espíritas da rede federada, fazendo uso de recursos logísticos e comunicacionais de nosso tempo, a FERGS, através dos lidadores do serviço de unificação, tem procurado honrar o legado dos pioneiros do ideal unificacionista cujo ápice, no Brasil, deu-se com a promoção do Pacto Áureo, em 1949, e que tem suas bases filosóficas na proposta de Allan Kardec de Constituição do Espiritismo onde, por sua vez, recomenda: “Os espíritas do mundo todo terão princípios comuns, que os ligarão à grande família pelo sagrado laço da fraternidade, mas cujas aplicações variarão segundo as regiões, sem que, por isso, a unidade fundamental se rompa; sem que se formem seitas dissidentes a atirar pedras e lançar anátemas umas às outras, o que seria absolutamente antiespírita.”[13]

Esforcemo-nos por atender o convite à união sempre necessária em nossas hostes doutrinárias, com vistas ao legado kardequiano e do movimento espírita brasileiro que acenam, com assertividade, ao entendimento de que: “Não teremos espiritismo unido sem que nos unamos.”[14]

[1] FRANCO, Divaldo P.. Após a tempestade. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Alvorada: Salvador/Bahia, 1995.

[2] Jo 13:33. [Novo Testamento. Trad. Haroldo Dutra Dias; Rev. Cleber Varandas de Lima. Brasília (DF), Brasil: Conselho Espírita Internacional, 2010.]

[3] Atos 4:32. [Novo Testamento. Trad. Haroldo Dutra Dias; Rev. Cleber Varandas de Lima. Brasília (DF), Brasil: Conselho Espírita Internacional, 2010.]

[4] 1 Coríntios 12:27.

[5] MIRANDA, Hermínio C. O evangelho gnóstico de Tomé. 6. ed. Bragança Paulista, SP: Instituto Lachâtre, 2013, p. 7.

[6] O Livro dos Espíritos, questão 886.

[7] TEIXEIRA, J. Raul. A carta magna da paz: reflexões em torno dos ensinos de Francisco de Assis. Pelo Espírito Camilo. Niterói. RJ: Fráter Livros Espíritas, 2002, p. 71.

[8] O evangelho segundo o espiritismo. Cap. VI, item 5.

[9] Revista Espírita – Setembro de 1862 - Resposta ao convite dos espíritas de Lyon e de Bordeaux - Ao Sr. Sabô, de Bordeaux.

[10] Federação Espírita Brasileira. Conselho Federativo Nacional. Orientação aos órgãos de unificação. Org. Antonio Cesar Perri de Carvalho. Rio de Janeiro: FEB, 2010, p. 130.

[11] MACHADO, Leopoldo. A caravana da fraternidade. Rio de Janeiro: FEB, 2010, p. 22

[12] AZAMBUJA, Rodrigo C. Caravanas de divulgação. 1. ed. Porto Alegre: Francisco Spinelli, 2011.

[13] Obras Póstumas, Constituição do Espiritismo, § VI. p. 437.

[14] XAVIER, Francisco C. Doutrina e Vida. In: FERGS. Unificador. n. 213. Porto Alegre: Francisco Spinelli, 2016.

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