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O centro espírita e o seu quefazer



Vinícius Lima Lousada[1]

  

A cada dia, perseverando unânimes no templo, partindo o pão em casa, recebiam o alimento com alegria e simplicidade de coração, louvando a Deus e tendo graça junto a todo o povo. (Atos 2:46)[2]

  

Ao revisitarmos as páginas de Atos dos apóstolos, sempre considerando a distância cultural e histórica que há da primeira comunidade cristã às práticas religiosas nos suntuosos templos da atualidade, naturalmente nos sensibilizamos com o texto do livro escrito por Lucas em razão da resolução de espírito que se acercou daquela gente simples na sua organização comunitária em torno da Boa Nova, erigida em tempos de opressão produzida pelo Império Romano e de extrema intolerância religiosa que ocasionara, em razão dos interesses mais escusos, o infausto processo de condenação, flagelo e desencarnação de Jesus.

Apesar dos desafios inerentes àquela época, a primeira comunidade cristã estabeleceu uma vida em comum voltada ao zelo e transmissão dos ensinos de Jesus, como também, à vivência de sua mensagem em comensalidade fraternal. A semente de mostarda da renovação da fé, em bases espirituais convergentes com a Divina Lei e sem as complicações doutrinárias e ritualísticas do farisaísmo, pouco a pouco, ia sendo internalizada no solo dos corações e partilhada por meio do trabalho realizado pelos homens do Caminho.

Há uma inegável conexão entre o que faziam os homens do Caminho na sua comunidade e o quefazer (expressão que traduz o trabalho que se pretende ou se deve fazer) do centro espírita hoje em qualquer lugar do mundo, em razão mesmo das bases morais nas quais o Espiritismo se assenta: a moral ensinada por Jesus.

Allan Kardec, em O Livro dos Médiuns, após fazer referência às consequências morais da Doutrina Espírita no que diz respeito ao melhoramento dos indivíduos e suas implicações para o aperfeiçoamento das massas, advoga:

 “Para o objetivo providencial, portanto, é que devem tender todas as Sociedades espíritas sérias, agrupando todos os que se achem animados dos mesmos sentimentos. Então, haverá união entre elas, simpatia, fraternidade, em vez de vão e pueril antagonismo, nascido do amor-próprio, mais de palavras do que de fatos; então, elas serão fortes e poderosas, porque assentarão em inabalável alicerce: o bem para todos; então, serão respeitadas e imporão silêncio à zombaria tola, porque falarão em nome da moral evangélica, que todos respeitam.”[3]

 

Fica evidente que os esforços, nos centros espíritas sérios, devem tender para a transformação moral dos indivíduos, ou seja, para a educação dos sentimentos e vivência dos valores do Evangelho a partir da compreensão da vida que o Espiritismo enseja, em suas obras fundamentais e princípios filosóficos, se quiserem atender os seus nobres objetivos, tais como: “(...) o estudo, a difusão e a prática da Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, auxiliando na formação do homem de bem (...)”[4]

Para tanto, é justo recordarmos Herculano Pires quando afirma que “O que o Espiritismo objetiva é a transformação interior das criaturas, para que se tornem mais esclarecidas e, com isso, dotadas de mente mais arejada e coração mais puro.”[5] Então, o centro espírita, por meio de suas atividades básicas, não tem finalidade outra senão o melhoramento do ser integral. É pelo entendimento racional que o estudo e a vivência do Espiritismo proporcionam sobre a vida do Espírito Imortal que o ser se esclarece e encontra recursos para conduzir-se com sabedoria.

É com os serviços que o centro espírita entrega fraternalmente aos que o buscam, já que o Espiritismo não tem uma perspectiva proselitista, que o indivíduo é consolado em suas dores morais pelo esclarecimento que recebe. Nesse sentido, ele é convidado à reflexão, à leitura das obras de Kardec, à frequência a grupos de estudos, palestras e atendimento fraterno, além do socorro amigo dos passes, quando necessário.

Diante da vulnerabilidade social, deverão ser acrescidas ao acolhimento, mencionado acima, atividades de Assistência e Promoção Social Espírita[6], consoante a realidade comunitária em que o centro espírita se insere e os projetos que esteja promovendo com base no caráter educativo da Doutrina dos Espíritos.

As balizas para a atuação segura do centro espírita estão estabelecidas por Kardec ao delinear uma orientação, em forma de sugestão de regulamento, onde prescreve: “O objetivo da sociedade é o estudo da ciência espírita, principalmente no que diz respeito à sua aplicação à moral e ao conhecimento do mundo invisível. As questões políticas e de economia social ficam proibidas, bem assim as controvérsias religiosas.”[7]

Logo, comprometido com a libertação de consciências, como núcleo de esclarecimento da mentalidade popular acerca da Ciência do Invisível, que nos ensina de forma descomplicada as Divinas Leis, o centro espírita deve promover o bom senso e a fé raciocinada em seus estudos e atividades práticas, de modo coerente com a lucidez das obras fundamentais que o guiam.

Ao libertar consciências da ignorância a respeito da vida futura por meio do conhecimento sobre o mundo espiritual, do fanatismo mediante a fé racional que promove, e do egoísmo pelos convites à caridade que apresenta, o centro espírita oxigena o campo da espiritualidade no mundo material, apresentando, assim, a sua mensagem aos que por ela se interessem de algum modo.

No capítulo das perturbações espirituais em razão dos tristes quadros de espalhamento obsessivo, o centro espírita oferta recursos de afastamento dos maus Espíritos[8] através de sua dedicada assistência espiritual e da educação moral de encarnados e desencarnados, concitando a todos à renovação do próprio caráter sob as luzes do Evangelho.

Enfim, com o constante desenvolvimento do seu quefazer, ou seja, de suas atividades básicas mobilizadas de modo coerente com Jesus e Kardec, o centro espírita cumpre a sua missão no mundo, independentemente das qualidades de sua estrutura física ou do quantitativo de associados e voluntários.


Referências:

[1] Vice-presidente de Unificação da Fergs.

[2] O Novo Testamento. trad. Haroldo Dutra Dias. FEB. Edição do Kindle.

[3] KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. FEB Publisher. Edição do Kindle, item 350.

[4] FEB/CFN. Orientação ao centro espírita. Jorge Godinho Barreto Nery. coor.1. ed. - 1. imp. - Brasília: FEB, 2021, p. 28.

[5] PIRES, J. Herculano. O Centro Espírita. Editora Paidéia. Edição do Kindle, 2019, p. 27.

[6] Convidamos a/o leitor/a a acessar a Revista A Reencarnação n. 461, sobre o tema da Assistência e Promoção Social Espírita, acessível em: https://online.fliphtml5.com/dhmp/eblz/#p=1

[7] KARDEC, Allan. Viagem Espírita em 1862. Casa Editora O Clarim. Edição do Kindle, p. 87.

[8] Aqui, remeto a/o leitor/a à Revista Espírita de setembro de 1859, a fim de conferir o artigo de Kardec intitulado Processo para afastar os maus Espíritos.

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