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Carta sobre as paixões


Vinícius Lima Lousada[1]


Vivemos um tempo, meu amigo, que compreende muitas possibilidades de reflexão. Esta pandemia que está nos acometendo globalmente e levando ao isolamento social, mediante a orientação das autoridades sanitárias, também nos traz para dentro de nós mesmos, para o enfrentamento de dias em que o nosso modo de viver, enquanto coletividade planetária, é posto em pausa ou redução de ritmo.


Particularmente, me sinto instado a acompanhar as notícias, mas também olhar para dentro de mim mesmo, reconhecendo que temos muitas “lições de casa” a fazer.


Aqui me refiro às paixões, cujo abuso se enraízam todos os excessos que produzimos, seja no plano individual, seja civilizatório. As paixões são um recurso da natureza humana que a Providência Divina estabeleceu para mobilizar o Espírito reencarnado pelo trabalho que as necessidades físicas demandam, provocando-lhe o desenvolvimento da inteligência e da moralidade. E, Kardec nos lembra ainda que elas “(...) Abrandam-se com o desenvolvimento da razão.” (1)


Alvo de estudo complexo pelo filósofo René Descartes, é n’O Livro dos Espíritos que encontramos conceituação apropriada sobre o tema, dada a distância contextual que nos afasta deste pensador moderno. Na obra magna do Espiritismo encontramos que “A paixão propriamente dita é a exageração de uma necessidade ou de um sentimento. Está no excesso e não na causa, e este excesso se torna um mal quando tem como consequência um mal qualquer.” (2)


Toda vez que essa emoção que nos conecta às necessidades do corpo excede os limites que o bom senso impõe, alicerçado no juízo adequado do necessário e do supérfluo, perdemos o controle e nos escravizamos às paixões inferiores.


Por exemplo, comunicar-se é uma necessidade humana, pois, somos seres gregários e desenvolvemos a linguagem que nos permite a compreensão mútua, logo, a efetividade da comunicação. Isso nasce, em nosso passado ancestral, por exemplo, para escaparmos de predadores ou grupos rivais.


Ao longo de nosso processo de evolução socioantropológica e espiritual logramos a fala. Ela é necessária, hoje, para nos entendermos, ensinarmos, demonstrarmos afeto, problematizarmos o mundo, etc. Mas falar em excesso já é a desnaturação de uma necessidade pela vontade desequilibrada em variadas motivações e denota à entrega a paíxões funestas como o orgulho e, por consequência, o desejo de preponderância ou soberba.


Cuidar do corpo é uma necessidade à manutenção da vida orgânica que é sagrada. Cultuar o corpo seria a necessidade aviltada em seu princípio e conduzida ao excesso, levando ao exibicionismo materialista ou até ao sensualismo.


A raiva é uma emoção básica, necessária ao instinto de conservação, todavia, extrapolando o limite da necessidade, descemos à cólera e seu hábito revela, normalmente, expedientes agressivos que não combinam com a contenção dos impulsos inferiores que a educação moral nos cabe preconiza.


Toda a vez que excedemos o limite do necessário estamos cedendo ao cultivo das paixões em sua expressão perturbadora e, assim, permitimo-nos ao predomínio da matéria em relação ao Espírito.


Considerando que o objetivo da reencarnação é o melhoramento progressivo do Espírito, ceder as paixões é declinar a oportunidades de evolução espiritual consciente.


Desculpe se fui um pouco “filosófico” hoje, são ideias que andam fervilhando a minha mente nesses dias em que a vida nos obriga a parar e a pensar como estamos vivendo-a.


Prometo escrever-te tão logo seja possível, não deixe de compartilhar comigo as tuas impressões dessas ideias que colhemos em nossa leitura espírita.


Paz e bem.

(1) KARDEC, Allan. A Gênese, os milagres e as predições segundo o espiritismo, Cap. II, item 18.

(2) KARDEC, Allan. O livro dos espíritos, questão 908.

[1] Educador, escritor e palestrante espírita, coordenador do Setor de Formação de Lideranças Espíritas da FERGS.

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