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Siá Tonha – cap. XVI


Cumprindo o que prometera, Sepé voltou à colônia

Para a fraterna conversa, avistou-se com Antônia

E percebeu que a pupila asserenou o coração.

Já não trazia na alma aquela grande aflição,

Mas permanecia o pleito quanto à futura existência:

Queria voltar à Terra sem as provas da opulência.

O cacique indagou-lhe: Qual a razão do pedido?

E a resposta de Siá Tonha revelou o seu olvido

- Quero cuidar dos famintos, dos que vivem na pobreza,

Sem referir-se às lembranças das agruras da riqueza.

Assim a bênção divina, com o véu do esquecimento,

Permitia àquela alma continuar seu crescimento.

A figurinha pequena, em estado de oração

Olhava o seu benfeitor, aguardando orientação.

Nem de longe recordava a dama tão orgulhosa

Que a ambição desmedida fizera bem desditosa

Agora era a benzedeira de bondade conhecida

Que ali lembrava saudosa da sua última vida

Pensou em Dona Mariana, amiga de toda a hora

Devia estar solitária depois que ela veio embora

O pensamento voou e uma lágrima rolou

Sentia muito a saudade do tempo que se passou

Como queria voltar ao ranchinho da estância!

Sepé recolheu o anseio e deu sua concordância

Siá Tonha experimentou a força do pensamento

Diante da sua choupana ficou naquele momento.

O mato tinha crescido, tomando conta de tudo

Entre o terreiro e o casebre o pasto formava escudo

No meio daquele caos. nem podia acreditar

Mas sim, era o coronel, gemendo a esbravejar

Com o tempo no além túmulo aprendeu a discernir

Quem é vivo e quem morreu, condição para servir

E o Coronel Hilário já se encontrara com a morte

Mas porque aquele alma tivera essa estranha sorte?

No meio do matagal, em tamanho sofrimento

Será que tinha ficado, dos seus, no esquecimento?

Procurou o seu rosário que trazia sempre a mão

E logo se decidiu a mudar aquela cena pela força da oração

A reza de Siá Tonha diminuía o sofrimento,

E as dores de Hilário entraram em abrandamento

Antes de ser recolhido pela falange do bem

Visualizou a entidade que o auxiliava, também

Em busca de Mariana, Sia Tonha foi à fazenda

Continuava como antes aquela grande vivenda

Pressentia que a senhora dela estava precisando

Percorrendo a casa grande de tudo foi recordando

O movimento da estância não era como o de outrora

Havia um grande silêncio – Será que foram embora?

Estava assim a pensar quando uma força a imantou

Atraindo-a para um cômodo que ela de pronto adentrou

Estava Dona Mariana, em momento derradeiro

Viu que o palor da morte a tomava por inteiro,

Mas a dama percebeu sua leal confidente

E esboçando um sorriso balbuciou a doente:

- Esperava por você, já preparei a partida

Nada mais me prende aqui. Estou cansada da vida

O Tempo passou depressa, fazia já quinze anos

Com a morte de Hilário, os filhos fizeram planos

Foram morar no exterior, arrendaram sua herdade

Mariana ficou sozinha, mergulhada na saudade

Agora estava liberta, faria a grande viagem

Muitas ações meritórias levava em sua bagagem

Assim Sia Tonha iniciou uma nova caminhada

No mundo espiritual ajustou uma longa estada

Aos cuidados de Sepé, passaram-se muitas luas

No trabalho devotado aos excluídos das ruas

Socorria o infortúnio nas mais sombrias vielas

Tornou-se bem conhecida nos barracos de favelas.

A velhinha e o cacique! O povo assim referia

E Antonia pouco a pouco outros pagos conhecia

Na equipe socorrista chegou as grandes cidades

Viu a extensão da miséria, da doença, da orfandade

Assistiu chegar ao mundo um monstro devastador

Era a droga que trazia o seu cortejo de dor

Também em meio à riqueza a servidora trilhou

Atendendo muitas almas que o orgulho fulminou

Recolheu muitas ruínas do cruel materialismo

E amparou muitas vítimas com as chagas do sensualismo

Mas também esteve ao lado da riqueza enobrecida

Conheceu muitas pessoas que ao bem doavam a vida

Era o tranqüilo regato correndo em busca do mar

Mas o progresso é uma lei e chegou sem mais tardar,

De ajudar mais os que sofrem Siá Tonha sentiu vontade

Se nascesse afortunada, faria mais caridade!

Quantas escolas, asilos, creches e até hospitais

Era o tranquilo regato formando seus mananciais.

A dor campeia na Terra e carece de anjos bons

Ela prossegue na senda, multiplicando seus dons

Você que passa na rua, olhe para os invisíveis

Ao vê-los talvez surpreenda a presença intraduzível

De uma mulher pequenina com um brilho sem igual

Testemunhando o valor da caridade moral.

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