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Siá Tonha - cap. XV


“Ah! Meus amigos, se conhecêsseis todos os laços que prendem a vossa vida atual às vossas existências anteriores, se pudésseis apanhar num golpe de vista a imensidade das relações que ligam os seres uns aos outros, em benefício do progresso mútuo, admiraríeis mais ainda a sabedoria e a bondade do Criador, que vos permite reviver para chegardes a Ele.”[i]

O que Antônia sequer poderia perceber era que aquela entidade, que com ela dialogava com tamanha simplicidade e amor, na verdade era quem detinha a possibilidade de influir decisivamente no seu planejamento reencarnatório, pois era mesmo o orientador de Teresa, o venerando espírito que integrava uma das muitas equipes sob a liderança do grande cacique. A humildade de Sepé fazia com que ele jamais se colocasse, sem necessidade, nessa condição a fim de não vulnerar o tesouro concedido pelo Criador às suas criaturas – a liberdade de escolha.

Siá Tonha tinha a mansuetude já desenvolvida em pronunciado grau e a aquiescência dela em aguardar os desígnios propostos por seus benfeitores para a futura existência abria aos que lhe prestariam auxílio na composição destas diretrizes para o renascimento, condição de estabelecerem caminhos menos ásperos nos quais efetivamente encaminhasse o êxito necessário ao Espírito imortal em nova romagem na Terra.

A bela vivenda ficava incrustada no bosque, cuja disposição das árvores era uma obra de arte tal a perfeição das formas como as muitas espécies juntavam-se umas às outras, formando conjuntos tão diversificados quanto harmoniosos. Circundada por formosa varanda, adornada de flores miúdas que também podiam ser vistas nos canteiros que se revelavam cuidados por mãos hábeis, as quais deveriam fazer jorrar sobre elas amorosidade intensa eis que apresentavam um tônus vital que exalava musicalidade e perfumes, que sensibilizavam de imediato quem dali se aproximasse.

Quando Sepé chegou o ambiente assumiu uma luminosidade peculiar, denotando a presença de uma entidade de elevada hierarquia espiritual. Leve brisa agitou com delicadeza cada elemento da natureza ali presente.

Teresa surgiu na varanda e acenou para o amigo, sendo envolvida pela luz que se emanava de Sepé. A transmissão de energias entre as duas almas reproduzia o que os verdadeiros amigos experimentam, quando encarnados abraçam-se.

- Aguardava-lhe, esperançosa, cacique, sorriu Teresa indo ao encontro de Sepé.

- Boas novas, Teresa! Boas novas!

Aquele recanto era um dos muitos plasmados pelo magnânimo índio para os instantes de recolhimento e de reuniões com os líderes das equipes de socorro e de orientação, a ele confiadas, nas muitas regiões da espiritualidade e do mundo corporal.

Convidando Teresa a ingressar com ele pelas aleias arborizadas começou a relatar-lhe alguns dos momentos de diálogo em torno das recordações de Antonia. Ao concluir a narrativa silenciou e prosseguiram a caminhada em meio aquela extasiante beleza até se deterem à beira de um murmurante e cristalino regato que serpenteava entre as pedrinhas multiformes e multicoloridas. O curso d’água beijando o leito pontilhado de seixos emitia uma sinfonia de tranquilidade e paz, que recolhidas na acústica daquelas almas nobres proporcionavam-lhes refazimento ímpar.

Prosseguindo as suas reflexões com Teresa Sepé continuou:

- Vemos na geografia que essa placidez do regato, um dia converter-se na grandeza e impetuosidade do oceano.

Teresa complementou:

- E a beleza tranquila deste córrego é tão cativante quanto à vastidão majestosa do mar.

- Antonia hoje é um regato, Teresa! Olhe para estes arbustos, as árvores que ao longo das margens nutrem suas raízes no arroio singelo. A veneranda mulher aguçou a visão espiritual e observou a grande rede de filamentos de água que impregnava o solo onde as plantas se firmavam avançando rumo ao néctar que as sustentava como se imantadas por força irresistível.

A beleza daquela interação entre os elementos da natureza consagravam a misericórdia divina que tudo atende e dispõe para que os seres exerçam na lei de solidariedade e amor que é meta final e fatal de cada criatura, o seu caminhar evolutivo.

Teresa tinha os olhos brilhantes de emoção, sorvendo cada imagem daquele quadro que a lição trazida por Sepé lhe facultava aquilatar.

- Siá Tonha é um regato tranquilo, voltou a considerar o benfeitor, mas dia virá em que o oceano que traz em si se revelará em toda a sua pujança. Enquanto falava, reclinou-se tocando a água translúcida e concluindo; - este regato ainda atravessará grandes distâncias até unir-se ao oceano.

Teresa continuava ativando a visão e via o percurso do qual Sepé falava, até que o riacho se adensasse pouco a pouco e encontrasse o seu destino na foz distante.

-Todo o ser é um grande oceano, único, profundo e cheio de riquezas. Na terra temos o oceano como a junção de muitos rios, mas na espiritualidade Teresa, cada individualidade é um oceano de perfeição. Siá Tonha necessita seguir o curso da sua ascensão. Embora já tenha a possibilidade de ser um grande rio, não se percebe assim.

Teresa ouvia atenta a explicação profunda vertida pelo benfeitor e buscava compreender e sorver por inteiro o quanto a sua capacidade espiritual permitia compreender.

Erguendo-se, o magnânimo índio levantou os olhos para o Alto, devassando o infinito com aquele olhar cheio de percepções e de enigmas, arrematando:

- Deixemo-la seguir, irmã Teresa, até que as percepções de Antonia acordem para a realidade de ser o grande e caudaloso rio, em cujas margens não estão apenas os pequenos e formosos bosques, mas as grandes florestas, as cidades, mas metrópoles, onde não mais se deslocarão somente os pequenos cardumes, mas a multiplicidade de vidas, tornando-se. Inclusive o caminho para os homens e suas embarcações.

Teresa compreendia a analogia simples que o amigo espiritual trazia. Ela mesma relutara muitas vezes em aceitar os novos desafios para se tornar mais do que um pequeno regato. Sabia que os Espíritos ascendem em sua trajetória, ganhando a chance de servir mais à medida que compreendem a expressão e o sentido de pertencer á família universal. Mas também tinha a dimensão do apego e da rebeldia que se enraíza nas almas humanas, não poucas vezes travestidas em falsa modéstia.

Foi trazida de suas meditações pelo movimento feito por Sepé, anunciando a partida e respondendo aos seus pensamentos:

- Servir, irmã Teresa, é um contínuo vir a ser que o Espírito edifica para a sua redenção!

- Antonia vai renascer, em breve, indagou Teresa!

- Sim. Talvez em um ou dois séculos... bem, Teresa, isso vai depender do curso que o regato seguir.

Referência:

[i] Kardec, Allan – O Evangelho Segundo o Espiritismo. FEB 2ª Ed. 2ª impressão. Cap. XIII, item 19, p. 301.

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